Gildásio, preocupado com o concurso público a ser realizado
em data próxima, estava tão envolvido que, distraído, pingou adoçante no olho,
em lugar do colírio. Ardeu e assustou! A mulher dele mandou ir à farmácia da
esquina.
Na farmácia, em cinco minutos, a farmacêutica o acalmou
entre risadinhas zombeteiras e várias gotas de colírio.
Dia passou e tão distraído, ao bochechar com água morna,
como fazia dia sim, dia não, por causa de um dente nervoso, botou um jorro de
mertiolate no copo, em lugar da água oxigenada. Sentiu o raro gosto amargo,
ardeu a boca toda e assustou!
Na farmácia da
esquina, em cinco minutos, a farmacêutica o acalmou entre risadinhas
zombeteiras e maternais, mandando bochechar com bastante água limpa por cinco
minutos e quantas vezes fossem necessárias até o gosto desaparecer.
Tão distraído três dias depois, adoçou o arroz e salgou o
café; comeu e bebeu assim mesmo, de raiva, por facilitar à companheira caçoar
dele com deboche rancoroso ao chegar do serviço com fome e cadê o arroz.
Passados dois dias, tão distraído, aparando as unhas, ceifou
um pedaço de dedo junto com uma delas. Doeu e sangrou.
Na farmácia da esquina, a farmacêutica, Lucélia, lhe fez
curativo, com aquele sorrisinho familiar e um tanto afável.
No dia da prova para o concurso, tão distraído, esqueceu as
respostas certas.
A frustração e a culpa doeram. Menos que a gozação da
mulher, vindo do serviço e saber do resultado; depois ela chorou, cansada de
estar sustentando a casa sozinha. Com um alienado dentro dela.
Doeu.
Na farmácia da esquina, Gildásio foi se lamentar com Lucélia
que o acalmou, garantindo que conhecia o remédio certo para essa dor – disse
com um sorriso que ele só decifrou quando ela lhe deu o número de seu celular,
sugerindo lhe telefonar depois de fechar a farmácia: às 20h30min.
Tão distraído, esqueceu de ligar para ela no horário
indicado.
Ao lembrar às 22 h, doeu o tapa que se deu na bochecha, e o
dente nervoso latejou o resto da noite. Doía.
No dia seguinte, na porta da farmácia da esquina, o sol e
Lucélia encontraram Gildásio sentado na soleira da porta. Ela lhe receitou um
sedativo, com um sorriso que de tão estranho, ele não soube decifrar; mas assim
mesmo, arriscou se podia lhe telefonar às 20h30min...
Em casa, começou a fixar seus olhos no relógio a partir das
19h30min.
Às 20h30min, ligou.
Às 20h45min, subia as escadas que levavam ao andar de cima
da farmácia da esquina, com um sorriso ardiloso de quem não tem nenhum dente
nervoso, mas um coração apreensivo.
Tão distraído no dia seguinte que, ao acordar de manhã, chamou
a companheira de ‘Lucélia’.
Doeu e assustou Marilda, a companheira, que entre chorando e
berrando saiu para o serviço batendo porta: cansada de sustentar a casa sozinha
com um alienado...
filho da puta dentro dela!
©Miguel Angel Fernandez