sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O psicólogo diante da morte


de Evaldo Ferreira da Costa

Se perguntarmos a três pessoas o que entendem por morte, obteremos,
no mínimo três definições diferentes, pois a morte, ou o seu conceito, tem
significados que variam entre sociedades, entre indivíduos de uma mesma
sociedade e até mesmo em um indivíduo, haja visto que o significado pessoal
da morte muda de acordo com o amadurecimento emocional e cognitivo da
pessoa.
No entanto, segundo C. G. Jung, em seu livro *O Eu e o Inconsciente
**, "toda e qualquer experiência humana só é possível dada a presença de uma
predisposição subjetiva".* Ou seja, todas as experiências, idéias e
conceitos humanos, entre eles a morte, ocorrem devido à existência de uma
estrutura psíquica inata denominada arquétipo. Estes caracteres arcaicos são
de ordem coletiva e portanto pertencem a todo ser humano. Mas não se trata
porém de idéias herdadas e inatas a todo homem, e sim de possibilidades
herdadas de idéias e comportamento. Deve-se ressaltar ainda que os
arquétipos se manifestam como imagem arquetípica, ou seja, o que chega à
consciência não é um arquétipo propriamente dito e sim a sua imagem
arquetípica, que irá depender principalmente da cultura da pessoa e poderá
sofrer alterações ao atingir a consciência.

Ao considerarmos morte como um arquétipo, todo homem terá em si uma
imagem virtual do que seja morrer. Esta imagem manifesta-se de formas
diferentes, dependendo da cultura em que vive ou viveu, de sua história de
vida, do seu nível de desenvolvimento cognitivo e emocional, e do seu
dinamismo psíquico. Assim, o conceito que tem sobre a morte enquanto jovem
poderá mudar quando mais velho, ou o conceito que tem enquanto esta sadio
poderá mudar quando ficar doente, ou quando morrer um ente querido. No
entanto, a essência do que é a morte continuará a mesma e sempre passará um
sentimento e idéia de perda, separação, finitude, passagem, transformação e
renascimento que podem ocorrer de uma forma ou de outra. Por exemplo, o
renascimento pode ser vivenciado como significando o começo de uma nova
vida, agora sem um ente querido, ou como a crença na reencarnação.

Portanto, a morte apresenta dois aspectos: um coletivo e outro
individual que dialeticamente farão as pessoas com que as pessoas a
vivenciem ou a compreendam diferentemente. Com isso, procuramos resgatar os
aspectos sociais e fenomenológicos da morte para que ela não seja tratada de
forma unilateral, devendo o profissional de saúde que lida com a morte ter
sempre em mente estes dois aspectos.

Todas as representações da morte estão imersas num contexto coletivo
e cultural. Assim, a cultura oriental e a cultura ocidental sendo as mais
difundidas presentemente, influenciam de forma diferente no modo de lidar
com a morte.

A cultura ocidental é impregnada pelo individualismo e pela crença
em uma única vida, o que faz com que as pessoas busquem viver sua única
existência da melhor forma possível e num maior espaço de tempo. Além disso,
é uma cultura fundada no capitalismo, onde o indivíduo é visto sob a ótica
da produtividade e a sua principal expressão religiosa, o cristianismo,
prepara o homem somente para a existência na Terra, pouco falando sobre o
pós-morte.

Estes fatores fazem com que as pessoas temam adoecer e mais ainda o
fato de morrer, que é visto como algo inesperado e indesejável que vem para
arrancar o indivíduo de sua vida, de seus familiares e de seus prazeres para
jogá-lo no desconhecido. Portanto, segundo Maria Julia Kovács, *"a morte na
sociedade ocidental atual é vista como algo vergonhoso e não é mais
considerada um fenômento natural, e sim fracasso, impotência ou imperícia,
por isso deve ser ocultada"*.

Como vemos, o que predomina no Ocidente é o medo da morte. De tal
modo simbolizada e trazida por um carrasco cruel vestido de negro que
carrega uma enorme foice. Essa representação, sem dúvida, inspira temor por
sua visita.

Já no oriente ocorre o oposto. Naquela cultura, fundamentada em
religiões como o Budismo e o Hinduísmo, as pessoas consideram a morte como
uma transformação necessária à purificação do espírito e há livros, como o
Livro dos Mortos Tibetanos, que oferecem orientações para o momento da
morte e para o estado do pós-morte, através do qual o ser humano deve
passar. Isso torna a morte não só algo esperado, mas necessário. Assim,
teoricamente deve ser mais fácil para um oriental enfrentar a morte do que
para um ocidental.

Contudo, sabemos que não há só o fator cultural a influenciar a
vivência da morte. Há também o aspecto subjetivo ou fenomenológico. Dentro
deste aspecto vemos a morte é uma experiência única a cada indivíduo.
Portanto, cada um tem dela uma representação própria.

Esta representação e a forma como a morte é vivenciada dependerá
principalmente da relação que o sujeito estabelecer com o fenômeno da morte
e de fatores como a idade e o estado de saúde da pessoa, dentre outros. A
posição do sujeito diante da morte pode dar-se de três formas: como
profissional, um médico ou psicólogo, por exemplo; na posição de quem morre;
ou na posição de parente de quem morre.

Entendemos, desta forma, que não é possível abordar a morte sem
considerarmos os aspectos sociais e fenomenológicos que influenciam na sua
compreensão, já que estes dois fatores atuam conjuntamente e fazem parte da
estrutura psíquica do indivíduo como nos mostra a Psicologia Analítica.
O psícólogo clínico ou hospitalar é um profissional que lida diretamente com
a morte, pois a vida é feita de inúmeras mortes, já que as pessoas
experienciam o morrer quando sofrem alguma perda. Assim, o psicólogo
trabalha as mortes trazidas pelo cliente em terapia ou pelo paciente no
leito hospitalar. Isto requer dele, além de preparo psíquico, um preparo
teórico-prático para enfrentar tema tão difícil.

A nosso ver, este preparo dar-se-á a partir de uma mudança de
posrtura em relação à morte, que deve ser entendida como algo inerente a
todo ser humano e necessário ao seu crescimento, pois complementa a vida.
Além disso, o psicólogo deve aprender a lidar com suas mortes para que possa
dar apoio psicológico a quem o procura. Para isso devemos entender a morte
sob o ponto de vista social e fenomenológico, aspectos indissociáveis da
questão.
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Evaldo Ferreira da Costa é concludente do
Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará.
Membro do Círculo Junguiano de Fortaleza.
 

Hedonista, muito prazer

*Livro chama atenção para as coisas boas da vida.
E também para as ruins que podem ser muito boas*

Mariliz Pereira Jorge

Se você não bebe, não fuma, não come comida gordurosa, não gasta mais do que ganha, faz exercícios regularmente e sexo idem, mas sempre seguro, pelo
menos ache um tempinho para ler *Manual do Hedonista,* do americano Michael Flocker, que a editora Rocco acaba de lançar no Brasil. O livro não é exatamente uma obra de fôlego. Ao contrário, é ligeiríssimo em sua despretensiosa missão de ajudar pessoas muito ocupadas, muito apressadas e muito preocupadas – ou seja, a metade certinha da humanidade – a pelo menos dar umas boas risadas só em cogitar na possibilidade de relaxar e até cometer alguns excessos. "As pessoas passam a vida querendo ver a conta do banco crescer e esquecem que a vida está acontecendo agora, não daqui a dez anos ou quando se aposentarem. Vivem conectadas com o mundo, mas não consigo mesmas. Simplesmente esquecem de viver", disse Flocker a VEJA. Se for completamente impossível desacelerar e perder tempo com bobagens divertidas como o *Manual do Hedonista,* pelo menos passe os olhos pelas listas em que o autor resume sua filosofia, como as que ilustram estas páginas.

Para a filosofia propriamente dita, hedonismo é coisa séria. Suas raízes foram lançadas pelo filósofo grego Epicuro.
Ele pregava que o objetivo de todos os atos é alcançar o prazer e, com ele, a alma tranqüila que permitiria viver numa espécie de estado superior. "É a busca dos prazeres simples e refinados para viver com sabedoria", define Marco Zingano, professor de filosofia antiga da Universidade de São Paulo. Apesar da moderação e até frugalidade da idéia original, o que se disseminou, nada surpreendentemente, foi uma espécie de degeneração do conceito – pensem em Roma e todos os seus abusos. Também nada surpreendentemente, o cristianismo se transformou numa espécie de bandeira anti-hedonista, sobretudo em suas variantes mais puritanas – pensem no protestantismo fundamentalista que está na raiz da formação americana. Flocker faz até brincadeira com as diferenças entre Estados Unidos e Brasil. "Primeiro, eu me perguntei se os brasileiros precisam mesmo de um livro que ensine como aproveitar a vida", diz. "Mas depois me dei conta de que Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, são como qualquer outra cidade grande do mundo e devem estar cheias de doidos correndo para cima e para baixo, que precisam desacelerar." Autor de outra pérola do gênero ligeiro, *O Metrossexual – Guia de Estilo,* Flocker diz que tenta seguir os próprios conselhos: jornada de trabalho de no máximo quarenta horas por semana e viagens turísticas no mínimo quatro vezes por ano, sempre com o celular desligado. "Ninguém é tão necessário que não possa ficar incomunicável", diz. Mas, como nada é perfeito, desde que lançou o livro não pára de trabalhar na sua divulgação, "sem tempo para fazer coisas muito mais divertidas".

*HORA DE DESCONECTAR*

*Segundo o livro, bastam cinco identificações com os sintomas abaixo para caracterizar a necessidade de uma "intervenção hedonista"*

• Você não lembra o telefone de ninguém porque todos os números estão programados no celular

• Manda mensagens eletrônicas para pessoas que estão sentadas na mesma sala

• Suas férias seguem um roteiro

• A idéia de uma semana inteira sem acesso à internet é apavorante

• Sente-se entediado em casa se a televisão estiver desligada

• Precisa assistir ao noticiário todo dia para ter certeza de que o mundo
não vai acabar

• Pára para assistir a seriados que já viu inúmeras vezes

• É incapaz de sentar e ficar pensando em silêncio

• Suas conversas giram em torno da vida dos outros, não da sua

• Compra um sapato porque combina com seu iPod

*DE PERDER O JUÍZO*

*Dez motivos para parar tudo e mergulhar
de cabeça no que a vida tem de melhor*

• Tire férias sozinho. Você vai se conhecer melhor

• Apaixone-se perdidamente. Segurança emocional é coisa supervalorizada

• Visite os trópicos com alguém especial. Dure ou não, você nunca vai
esquecer

• Acampe no deserto. Fuja da civilização e tudo ficará mais claro

• Faça um passeio de balão

• Passe uma semana longe de todos e faça tudo o que tiver vontade

• Dê-se uma festa de aniversário espetacular. Não precisa ser grande, só
espetacular

• Monte o álbum de fotografias da sua vida. Vai ver que sua vida rende uma
história

• Mande pintar seu retrato. Todo mundo merece ser imortalizado para a
posteridade

• Deixe o passado para trás. Ele existe para ser lembrado, não para ficar
preso a ele

*DESACELERE*

*Dez passos infalíveis para libertar o hedonista
que existe dentro de você*

• Sente-se num banco de jardim para ver a vida passar

• Balance-se numa rede, olhando as estrelas

• Flutue sobre as ondas do mar

• Faça uma caminhada sem rumo

• Leia um livro em total silêncio

• Cochile sob o sol

• Tome um banho de banheira à luz de velas

• Durma até não poder mais

• Estenda as preliminares

• Veja um filme sueco

*E DAÍ?*

*Dez coisas que você não devia fazer.
Mas, quando faz, se diverte*

• Beber até constranger os amigos

• Dormir até depois do meio-dia

• Comprar a crédito

• Fazer sexo com um ex

• Jogar

• Comer o que engorda

• Ligar para o trabalho e dizer que está doente

• Ficar acordado até tarde

• Fofocar

• Tramar uma vingança

*DESAPEGUE-SE*

*Dez exemplos de coisas que parecem importantíssimas,
mas passam sem deixar vestígio *

• Juventude

• Paixão

• Barriga tanquinho

• Emprego

• Problemas

• Importância profissional

• Relacionamentos

• Dívida

• Hemorróidas

• A vida

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

As domésticas, segundo o desembargador

 O desembargador aposentado Caio Graccho decidiu criar o "Pequeno Dicionário da Empregada Doméstica" para o jornal "Tribuna da Magistratura", da (Apamagis) Associação Paulista dos Magistrados. Ele diz que o lançamento será "no saguão principal da sede das Casas Bahia, ao lado do 'Crediário' (que eu não sei onde fica)".
*
No artigo, Graccho relata a dificuldade de um amigo de entender o que dizia uma "serviçal" que havia contratado. "A moça era do norte. De Garanhuns. Nada contra, mas... sabe como é. Nós, brasileiros, sabemos", diz, citando a cidade-natal do presidente Lula. Graccho disse à coluna que sua empregada gostou muito das piadas:
"Li para ela e ela achou bom". E os moradores de Garanhuns, não ficarão chateados? "Nós,
brasileiros, também estamos chateados com os homens de lá". Abaixo, expressões do "dicionário":

Ãnsdionti - Antes de ontem
Asmininxegaro
- As meninas chegaram
Badacama
- Debaixo da cama
Badapia
- Debaixo da pia
Cásperdi
- Caso perdido
Dendapia
- Dentro da pia
Dôdistongo
- Dor de estômago
Iscodidente
- Escova de dente
Issokipómoiá
- Isto aqui pode molhar
Lidileite
- Litro de leite
Mardufigo
- Mal do fígado
Oncotô
- Onde que eu estou
Olunumpré
- O Lula não presta
Sinborntão
- Vamos embora então
Tirdiguerra
- 'Tiro de guerra Unkidicarne - Um quilo de carne
Uventátáondi
- O avental está aonde (sic)
...

*******
PS: se você sabe mais, bota  aqui em 'Comentários'

 

O Caso do Vestido(*) poema e roteiro


Carlos Drummond de Andrade
 
 
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
 
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
 
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
 
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
 
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
 
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
 
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
 
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
 
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
 
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
 
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,
 
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
 
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
 
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
 
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
 
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,
 
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
 
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
 
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
 
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
 
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
 
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio.  Disfarcemos.
 
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
 
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
 
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
 
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
 
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
 
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
 
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
 
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
 
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,
 
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
 
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
 
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
 
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,
 
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
 
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
 
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
 
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
 
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
 
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
 
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
 
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
 
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
 
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
 
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,
 
última peça de luxo
que guardei como lembrança
 
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
 
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
 
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
 
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
 
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
 
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
 
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
 
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
 
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
 
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
 
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
 
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
 
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
 
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
 
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
 
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
 
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
 
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
 
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
 
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
 
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
 
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
 
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
 
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
 
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
 
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
 
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
 
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
 
****************************
 
(*) Faz alguns anos adaptei este poema para Vídeo e, diferente de recentes adptações, cuidei para pouco ou nada modificar da narrativa poética, pretendendo interferir o menos possivel, inclusive nos "diálogos", alguns criados em benefício da 'naturalidade'. O resultado foi visto por mais de 1570 pessoas no site onde está alojado: Recanto das Letras

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A Rainha, Lula e o bebê


Lula vai para a Inglaterra visitar a rainha, ele a homenageia, trocam presentes, e lhe pergunta:
-Companheira Rainha, como consegue escolher ministros tão maravilhosos?
Ela lhe responde:
-É fácil, senhor presidente, eu apenas faço uma pergunta inteligente e
se a pessoa conseguir responder é por que ela é capacitada para ser
ministro. Quer ver? Eu vou lhe dar um exemplo.
A rainha pega o telefone, liga para Tony Blair e pergunta:
-Tony, seu pai e sua mãe têm um bebê e, ele, não é seu irmão, nem sua irmã.
Então, quem ele é?
O ministro pensa, pensa, e responde:
-Senhora rainha, esse bebê sou eu.
Ela diz que a resposta está certa, agradece e desliga o telefone falando
para Lula:
-Viu só? Ele merece ser ministro.
Lula, maravilhado, volta para o Brasil, chama seu (ex) coordenador
Ricardo Berzoíni e lhe pergunta:
-Berzoini, seu pai e sua mãe têm um filho, ele não é seu irmão nem sua
irmã. Então, que é ele?
O ex-ministro pensa e pensa e responde:
-Senhor presidente eu vou consultar o pessoal do setor de inteligência e
lhe trago a resposta.
Vai para a sala de seus assessores e cobra a resposta, dizendo para irem
rápido que o presidente está esperando. Nenhum sabe a resposta, então um
deles lhe diz para consultar a equipe de base que está mais ligada ao
povo, que eles devem saber essas coisas.
Seguindo o conselho, ele liga para a equipe de base e lhes faz a mesma
pergunta. Também não souberam responder e disseram para o ministro
perguntar ao ex-presidente Fernando Henrique. Então, Berzoíni liga para o
ex-presidente e lhe pergunta:
-Fernando Henrique aqui é o Berzoíni, eu tenho uma pergunta para você,
que é sociólogo e pode nos ajudar nessa. Se seu pai e sua mãe têm um bebê
e esse bebê não é seu irmão nem sua irmã então quem é esse bebê?
O ex-presidente pensa e responde:
-Ora, Berzoíni, é lógico que esse bebê sou eu...
Berzoíni agradece, desliga o telefone e vai correndo contar para Lula a
resposta da pergunta. Chegando na sala do presidente, vai falando:
-Se meu pai e minha mãe têm um bebê e esse bebê não é meu irmão nem
minha irmã, é lógico que ele só pode ser o Fernando Henrique.
Então, Lula dá um grande sorriso e diz:
-Companheiro Berzoíni, agora eu te peguei, sua resposta está
completamente errada. O bebê é o Tony Blair!!

IV Centenário da morte de Camões - Poesia e Verdade



Meu amigo João Simões, mora em Coimbra, mas se quer "Um apaixonado da Figueira e do mar!", é um tradutor de primeira linha e um filatelista de igual gabarito. Tem lá no seu blogg amostragem de seus selos, onde, através deles, reconta a história de Portugal e do mundo. Numa de suas postagens, o realce ao Grande Camões, onde sabemos que...

"A obra de Camões não é vasta.
De facto, Os Lusíadas são a sua principal obra. Mas o poeta escreveu ainda uma ode, dois sonetos e uma elegia, publicadas em vida em livros alheios. Assim, a sua lírica é recolhida de manuscritos vários e de várias épocas, colocando-se a autenticidade de alguns poemas.
Para terminar o estudo da vida e obra de Luís Vaz de Camões, falta ainda salientar uma outra emissão saída em 1980.
Esta emissão é constituída por dois selos, picotados a meio, com os valores de 6$50 com o perfil do poeta e, ao lado, uma estrofe d’Os Lusíadas (III 20-11).

Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floreça
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora; e lá na ardente
África estar quieto o não consente.


No selo de 20$00, temos o mesmo perfil do poeta e um soneto.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo na esperança,
Do mal ficam as mágoas na lembrança
E o bem, se algum houve, as saudades.


Noutra postagem o popular canto:

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que permitia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino que tanto sublimaram;


Começa assim aquele que é o primeiro canto do mais famoso poema português escrito por Luís de Camões, evocando a epopeia dos Portugueses por mares adentro rumo ao Desconhecido, em busca de novas terras.
Luís Vaz de Camões, era descendente de uma família galega. Não se sabe onde realmente nasceu. Provavelmente, terá vindo estudar para Coimbra, indo depois para Lisboa por volta de 1542.
Com uma vasta cultura e talento, acedeu à corte de D. João III. Parte para Ceuta em 1549, onde perde uma vista. Regressado a Lisboa, pratica uma vida de boémia. Envolve-se em rixas tendo por isso sido preso. Liberto por carta régia de perdão, embarca para Goa onde começa a escrever Os Lusíadas. Naufraga na foz do rio Macom, salvando apenas Os Lusíadas. Passa fome em Goa tendo sido encarcerado por dívidas. Vem para Moçambique onde trabalha afincadamente na sua obra, mas vivendo da caridade.
De regresso a Lisboa, publica Os Lusíadas com a ajuda de D. Manuel dedicados a D. Sebastião que, como sabemos, se perdeu na batalha de Alcácer Quibir.
Luís Vaz de Camões vem a falecer numa casa na Caçada de Santana em Lisboa, tendo sido sepultado em campa rasa numa igreja próxima...
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Muito mais, segue AQUI

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Frases


W. C. Fields
 

* Certa vez fiquei tantos minutos sem beber que me senti como se alguém tivesse pisado em minha língua com o pé sujo de barro.
 
* Um homem que detesta crianças e cachorros não pode ser mau de todo.
 
* Preferia estar vivo, nem que fosse em Filadélfia.
 
* Meu peixe favorito? Uma piranha na banheira de minha ex-mulher.
 
* Este mundo está se tornando tão perigoso que um sujeito pode se dar por feliz se sair dele vivo.
 
* Sou livre de qualquer preconceito. Odeio todo mundo, indistintamente.
 
* Não me importo de ser levado a beber. O que me preocupa é ser levado para casa.
 
* Os ricos não passam de pobres com dinheiro.
 
* (Ao ser perguntado por que nunca bebia água): Peixes fodem nela.
 
* Está para nascer o homem que nunca teve o secreto desejo de dar um chute na bunda de um guri.
 
* Dê a seu bebê uma alimentação à base de cebola. Assim poderá achá-lo mais facilmente no escuro.
 
* Sorria assim que acordar. Livre-se logo dessa obrigação.
 

W. C. Fields (William Claude Dukinfield), foi um dos maiores humoristas americanos, tendo vivido no período de 1879 a 1946. Era conhecido por seu mau humor. Do livro "O melhor do mau humor", Companhia das Letras - São Paulo, 1990, organizado e traduzido por Ruy Castro.

Como Nasrudin criou a verdade

Nasrudin
(Khawajah Nasr Al-Din)

— As leis não fazem com que as pessoas fiquem melhores — disse Nasrudin ao Rei. — Elas precisam, antes, praticar certas coisas de maneira a entrar em sintonia com a verdade interior, que se assemelha apenas levemente à verdade aparente.
 
O Rei, no entanto, decidiu que ele poderia, sim, fazer com que as pessoas observassem a verdade, que poderia fazê-las observar a autenticidade — e assim o faria.
 
O acesso a sua cidade dava-se através de uma ponte. Sobre ela, o Rei ordenou que fosse construída uma forca.
 
Quando os portões foram abertos, na alvorada do dia seguinte, o Chefe da Guarda estava a postos em frente de um pelotão para testar todos os que por ali passassem. Um edital fora imediatamente publicado: "Todos serão interrogados. Aquele que falar a verdade terá seu ingresso na cidade permitido. Caso mentir, será enforcado."
 
Nasrudin, na ponte entre alguns populares, deu um passo à frente e começou a cruzar a ponte.
 
— Onde o senhor pensa que vai? — perguntou o Chefe da Guarda.
 
— Estou a caminho da forca — respondeu Nasradin, calmamente.
 
— Não acredito no que está dizendo!
 
— Muito bem, se eu estiver mentindo, pode me enforcar.
 
— Mas se o enforcarmos por mentir, faremos com que aquilo que disse seja verdade!
 
— Isso mesmo - respondeu Nasrudin, sentindo-se vitorioso. — Agora vocês já sabem o que é a verdade: é apenas a sua verdade.
 

O Mullá Nasrudin (Khawajah Nasr Al-Din) escreveu, no século XIV em que viveu, histórias onde ele mesmo era personagem. São histórias que atravessaram fronteiras desde sua época, enraizando-se em várias culturas. Elas compõem um imenso conjunto que integra a chamada Tradição Sufi, ou o Sufismo, seita religiosa ou de sabedoria de vida, de antiga tradição persa e que se espalha pelo mundo até hoje. Como o budismo e o zen-budismo, o sufismo sempre aliou o (bom) humor com sabedoria.
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O texto acima foi publicado no livro "Histoires de Nasroudin", Éditions Dervish, s.d., e extraído do livro "Os 100 melhores contos de humor da literatura universal", Ediouro – Rio de Janeiro, 2001, pág. 50. Organização de Flávio Moreira da Costa.

Pérolas do vestibular

Frases colhidas no vestibular:
 
* Lavoisier foi guilhotinado por ter inventado o oxigênio.
 
* O nervo ótico transmite idéias luminosas.
 
* O vento é uma imensa quantidade de ar.
 
* O terremoto é um pequeno movimento de terras não cultivadas.
 
* Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor.
 
* Péricles foi o principal ditador da democracia grega.
 
* O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades.
 
* O petróleo apareceu há muitos séculos, numa época em que os peixes se afogavam dentro d'água.
 
* A principal função da raiz é se enterrar.
 
* A igreja vem perdendo muita clientela.
 
* O Sol nos dá luz, calor e turistas.
 
* As aves têm na boca um dente chamado bico.
 
* A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário.
 
* Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso.
 
* A harpa é uma rosa que toca.
 
* A febre amarela foi trazida da China por Marco Polo.
 
* Os ruminantes se distinguem dos outros animais porque o que comem, comem por duas vezes.
 
* O coração é o único órgão que não deixa de funcionar 24 horas por dia.
 
* Quando um animal irracional não tem água para beber, só sobrevive se for empalhado.
 
* A insônia consiste em dormir ao contrário.
 
* A arquitetura gótica se notabilizou por fazer edifícios verticais.
 
* A diferença entre o Romantismo e o Realismo é que os românticos escrevem romances e os realistas nos mostram como está a situação do país.
 
* O Chile é um país muito alto e magro.
 
* As múmias tinham um profundo conhecimento de Anatomia.
 
* O batismo é uma espécie de detergente do pecado original.
 
* Na Grécia, a democracia funcionava muito bem, porque os que não estavam de acordo, se envenenavam.
 
* A prosopopéia é o começo de uma epopéia.
 
* Os crustáceos fora d'água respiram como podem.
 
* Os hermafroditas nascem unidos pelo corpo.
 
* As glândulas salivares só trabalham quando a gente têm vontade de cuspir.
 
* A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos.
 
* Os estuários e os deltas foram os primeiros habitantes da Mesopotâmia.
 
* O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas.
 
* A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva.
 
* O Ateísmo é uma religião anônima.
 
* A respiração anaeróbica é a respiração sem ar, que não deve passar de três minutos.
 
* O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo.
 
* Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.
 
* Caracteres sexuais secundários são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais.
 
(Colaboração da leitora Zoraida Gazal Ale.)
 

Mais pérolas...
 
As redações do vestibular 2000 da UFRJ acabam de ser corrigidas. Eis as pérolas deste ano:
 
Redação
 
* Sobrevivência de um aborto vivo (título).
 
* O Brasil é um país abastardo com um futuro promissório.
 
* O maior matrimônio do país é a Educação.
 
* Precisamos tirar as fendas dos olhos para enxergar com clareza o número de famigerados que almenta (sic).
 
* Os analfabetos nunca tiveram chance de voltar à escola.
 
* O bem star (sic) dos abtantes endependente (sic) de roça, religião, sexo e vegetarianos, está preocudan-do-nos.
 
* É preciso melhorar as indiferenças sociais e promover o saneamento de muitas pessoas.
 
* Também preoculpa (sic) o avanço regesssivo da violência.
 
* Segundo Darcy Gonçalves (Darcy Ribeiro) e o juiz Nicolau de Melo Neto (Nicolau dos Santos Neto).
 
* E o presidente onde está? Certamente em sua cadeira, fumando baseado e conversando com o presidente dos EUA.
 
História
 
* O hino nacional francês se chama La Mayonèse...
 
* Tiradentes, depois de morto, foi decapitulado.
 
* Resposta a uma pergunta: "Não cei".
 
* Entres os índios de América, destacam-se os aztecas, os incas, os pirineus, etc.
 
* A História se divide em 4: Antiga, Média, Moderna e Momentânea (esta, a dos nossos dias).
 
* Em Esparta as crianças que nasciam mortas eram sacrificadas.
 
* Resposta à pergunta: "Que entende por helenização?": "Não entendo nada".
 
* No começo os índios eram muito atrazados mas com o tempo foram se sifilizando.
 
* Entre os povos orientais os casamentos eram feitos "no escuro" e os noivos só se conheciam na hora h.
 
* Então o governo precisou contratar oficiais para fortalecer o exército da marinha.
 
* Em homenagem a Gutenberg, fizeram na Alemanha uma estátua, tirando uma folha do prelo, com os dizeres: "e a luz foi iluminada".
 
* No tempo colonial o Brasil só dependia do café e de outros produtos extremamente vegetarianos.
 
Geografia
 
* A capital de Portugal é Luiz Boa.
 
* A Geografia Humana estuda o homem em que vivemos.
 
* O Brasil é um país muito aguado pela chuva.
 
* Na América do Norte tem mais de 100.000 Km de estradas de ferro cimentadas.
 
* Oceano é onde nasce o Sol; onde ele nasce é o nascente e onde desce decente.
 
* Na América Central há países como a República do Minicana.
 
* A Terra é um dos planetas mais conhecidos no mundo.
 
* As constelações servem para esclarecer a noite.
 
* As principais cidades da América do Norte são Argentina e Estados Unidos.
 
* Expansivas são as pessoas tangarelas.
 
* O clima de São Paulo é assim: quando faz frio é inverno; quando faz calor é verão; quando tem flores é primavera; quando tem frutas é outono e quando chove é inundação.
 
* Os plantetas são 9: Mercúrio, Venus,Terra, Marte. Os outros 5 eu sabia mas como esqueci agora e está na hora de entregar a prova, o sr. não vai esperar eu lembrar, vai? (e espero que não vai abaixar a nota por causa disso).
 
(Colaboração do leitor Márcio Werneck.)
 

E ainda mais pérolas..
 
Algumas pérolas dos alunos de Comunicação da UFF:
 
* "(...) quanto à opinião pública, podemos dizer que ela é mutável. Por exemplo: na hora do parto, a mulher pode optar pelo aborto."
 
* "A comunicação é importante porque comunica algo entre duas ou mais pessoas que querem se comunicar"
 
* "O Press release tem esse nome porque realiza as coisas com pressa".
 
* "O problema da comunicação social no Brasil é que ela é dirigida por brasileiros, deveríamos trazer os  americanos.
 
* "O endomarketing é como se fosse o marketing endovenoso."
 
* "Eu acho que a resposta é não. Como o professor deve ter pensado numa armadilha, respondo que é sim.
 
* "O público mixto é composto por aquelas pessoas que entram e saem da empresa. Ou seja nunca estão totalmente dentro, nem totalmente fora."
 
* "(a questão dizia que a afirmativa era CORRETA, pedia a justificativa somente). "Disconcordo com a questão. Ela não pode ser positiva. Nunca fiz prova que o professor dissesse que era afirmativa uma questão. Deve ser uma pegadinha, tipo do Faustão.
 
* "A comunicassão social e feita de mim para voçês"
 
* "A televisão é influenciativa em nossas vidas. Quantas vezes não compramos um tênis porque vemos na TV? A programação deveria ser mais educante(...)".
 
* "A empresa e o público ixterno caminhão juntos, incluindo aí a emprensa."
 
* "O proficional de comunicação tem um mercado bundante a sua disposição, afinal, todos se comunicam na terra(...)".
 
* "O ruído realmente atrapalha muito a comunicação. Aqui na universidade fico atordoado quando passa o trem, quase não ouço o professor. As salas deveriam ser à prova de som".
 
* "O fidibeque é a mesma coisa que a retroinformação, ou seja a informação que vem por trás."
 
* "A comunicação é uma junção da verdade com a falsidade, afinal fofoca é uma coisa feia e é comunicação".
 
* "Faço comunicação porque acho importante ser comunicadora, mas não acho importante ler jornal (suja a mão), nem ficar em casa vendo TV. Acho melhor me comunicar entre si."
 
* "A comunicação é moderna porque usa modernidades da atualidade."
 
* "Os principais meios utilizados pelas comunicação são: meios orais (que são falados), meios auditivos (que são ouvidos) e mais tácteis (que são sentidos)."
 
* "A comunicação é de massa porque precisamos utilizar a massa cinzenta para compreendê-la".
 
* "Marketing em português é mercado, marketing pessoal, portanto é o mercado que freqüentamos."
 
* "Ao utilizarmos a comunicação nos comunicamos."
 
* "Se a comunicação é pessoal, envolvendo o emissor e o receptor, como podemos pensar em comunicação empresarial? A empresa se expressa por si só?"

Língua portuguesa

 Olavo Bilac
 

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
 
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
 
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
 
em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
------------------

Olavo Bilac, além de poeta parnasiano, cronista, contista, conferencista e autor de livros didáticos, deixou também na imprensa do tempo do Império e dos primeiros anos da República vasta colaboração humorística e satírica, assinada com os mais variados pseudônimos, entre os quais os de Fantásio, Puck, Flamínio, Belial, Tartarin-Le Songeur, Otávio Vilar, etc., assinando, em outras vezes, o seu próprio nome. Nascido no Rio de Janeiro a 16 de dezembro de 1865, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em que ocupou a cadeira nº. 15, que tem Gonçalves Dias por patrono. No seu principal livro, "Poesias", incluiu Bilac alguns sonetos satíricos , sob o título de "Os Monstros". Escreveu livros em colaboração com Coelho Neto, Manuel Bonfim e Guimarães Passos, sendo que, com este último, o volume intitulado "Pimentões", de versos humorísticos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Sakaro aota nakamy anyoba, sushi mashuta!

O sujeito foi visitar, na UTI, o vizinho japonês, vítima de grave acidente automobilístico.
Encontrou o japonês todo entubado, era tubo daqui, tubo acolá, fios pra todo lado.
Ficou ali, parado, de pé na beira da cama, vendo-o de olhinhos fechados, sereno, repousando com todos aqueles tubos!
Em dado momento, repentinamente o japonês acordou, arregalou os olhos e gritou:
 
"Sakaro aota nakamy anyoba, sushi mashuta !!"
 
Dito isso, suspirou e morreu.
As últimas palavras do japonês ficaram gravadas na cabeça do sujeito!!
Na missa de sétimo dia, o sujeito foi dar os pêsames à mãe do japonês:
"Olhe, dona Fumiko, o Sujiro, antes de morrer, me disse esta palavras:
 
"Sakaro aota nakamy anyoba, sushi mashuta !!"
 
O que isso quer dizer?"
Dona Fumiko olhou espantada para o sujeito e traduziu:
"Tire o pé da mangueirinha de oxigênio , filho da puta"

Não me pertence mais!

"entreuvasverdes" Guache s/papel - 20x13cm

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Pensamentos de H. L. Mencken


• Nunca deixe que seus inferiores lhe façam um favor. Pode custar-lhe caro.

• Um homem educado é aquele que nunca bate numa mulher sem ter um motivo justo.

• Imoralidade é a moralidade daqueles que se divertem mais do que nós.

• As únicas pessoas realmente felizes são as mulheres casadas e os homens solteiros.

• Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive.

• Mostre-me um puritano e eu lhe mostrarei um filho da puta.

• Digam o que disserem sobre os Dez Mandamentos, devemos nos dar por felizes por eles não passarem de dez.

• O principal conhecimento que se adquire lendo livros é o de que poucos livros merecem ser lidos.

• Pelo menos numa coisa homens e mulheres concordam: nenhum deles confia em mulheres.

• De fato, é melhor dar do que receber. Por exemplo: presentes de casamento.

• A consciência é uma voz interior que nos adverte de que alguém pode estar olhando.

• Os solteiros sabem mais sobre as mulheres que os casados. Se não, também seriam casados.

• O adultério é a democracia aplicada ao amor.

• A fé pode ser definida como uma crença ilógica na ocorrência do improvável.

• Quanto mais envelheço, mais desconfio da velha máxima de que a idade traz a sabedoria.

• Pode ser um pecado pensar mal dos outros, mas raramente será um engano.

• O cristão vive jurando que nunca fará aquilo de novo. O homem civilizado apenas resolve que será mais cuidadoso da próxima vez.

• Os homens se divertem muito mais que as mulheres. Talvez porque se casem mais tarde e morram mais cedo.

• Nunca superestime a decência da espécie humana.

• Incrível como meu ódio pelos protestantes desaparece quase por completo quando sou apresentado a suas mulheres.

• É difícil acreditar que um homem esteja dizendo a verdade quando você sabe muito bem que mentiria se estivesse no lugar dele.

• A guerra contra os privilégios nunca terá fim. Sua próxima grande campanha será a guerra contra os privilégios especiais dos desprivilegiados.

• Padres e pastores são cambistas esperando por fregueses diante
dos portões do Céu.

*****

O LUGAR DO HOMEM NA NATUREZA

Como já disse, a teoria antropomórfica do mundo revelou-se absurda diante da moderna biologia – o que não quer dizer, naturalmente, que um dia a tal teoria será abandonada pela grande maioria dos homens. Ao contrário, estes a abraçarão à medida que ela se tornar cada vez mais duvidosa. De fato, hoje, a teoria antropomórfica ainda é mais adotada do que nas eras de obscurantismo, quando a doutrina de que um homem era um quase-Deus foi no mínimo aperfeiçoada pela doutrina de que as mulheres são inferiores. O que mais está por trás da caridade, da filantropia, do pacifismo, da “inspiração” e do resto dos atuais sentimentalismos?
Uma por uma, todas estas tolices são baseadas na noção de que o homem é um animal
glorioso e indescritível, e que sua contínua existência no mundo deve ser facilitada e assegurada. Mas esta idéia é obviamente uma estupidez. No que se refere aos animais, e mesmo num espaço tão limitado como o nosso mundo, o homem é tosco e ridículo.
Poucos bichos são tão estúpidos ou covardes quanto o homem.
O mais vira-lata dos cães tem sentidos mais agudos e é infinitamente mais corajoso, para não dizer mais honesto e confiável. As formigas e abelhas são, de várias formas, mais inteligentes e engenhosas; tocam para a frente seus sistemas de governo com muito menos arranca-rabos, desperdícios e imbecilidades. O leão é mais bonito, digno e majestoso. O antílope é infinitamente mais rápido e gracioso. Qualquer gato doméstico comum é mais limpo. O cavalo, mesmo suado do trabalho, cheira melhor. O gorila é mais gentil com seus filhotes e mais fiel à companheira. O boi e o asno são mais produtivos e serenos. Mas, acima de tudo, o homem é deficiente em coragem, talvez a mais nobre de todas as qualidades. Seu pavor mortal não se limita a todos os animais do seu próprio peso ou mesmo da metade do seu peso – exceto uns poucos que ele degradou por cruzamentos artificiais-, seu pavor mortal é também daqueles da sua própria espécie – e não apenas de seus punhos e pés, mas até de suas risotas.
Nenhum outro animal é tão incompetente para se adaptar ao seu próprio ambiente. A criança, quando vem ao mundo, é tão frágil que, se for deixada sozinha por aí durante dias, infalivelmente morrerá, e essa enfermidade congênita, embora mais ou menos disfarçada depois, continuará até a morte. O homem adoece mais do que qualquer outro animal, tanto em seu estado selvagem quanto abrigado pela civilização. Sofre de uma variedade maior de doenças e com mais freqüência. Cansa-se ou fere-se com mais facilidade. Finalmente, morre de forma horrível e geralmente mais cedo. Praticamente todos os outros vertebrados superiores, pelo menos em seu ambiente selvagem, vivem e retêm suas faculdades por muito mais tempo. Mesmo os macacos antropóides estão bem à frente de seus primos humanos. Um orangotango casa-se aos sete ou oito anos de idade, constrói uma família de setenta ou oitenta filhos, e continua tão vigoroso e sadio aos oitenta quanto um europeu de 45 anos.
Todos os erros e incompetências do Criador chegaram ao seu clímax no homem. Como peça de um mecanismo, o homem é o pior de todos; comparados com ele, até um salmão ou um estafilococo são máquinas sólidas e eficientes. O homem transporta os piores rins conhecidos da zoologia comparativa, os piores pulmões e o pior coração. Seus olhos, considerando-se o trabalho que são obrigados a desempenhar, são menos eficientes do que o olho de uma minhoca; o Criador de tal aparato ótico, capaz de fabricar um instrumento tão cambeta, deveria ser surrado por seus fregueses. Ao contrário de todos os animais, terrestres, celestes ou marinhos, o homem é incapaz, por natureza, de deixar o mundo em que habita.
Precisa vestir-se, proteger-se e armar-se para sobreviver. Está eternamente na posição
de uma tartaruga que nasceu sem o casco, um cachorro sem pêlos ou um peixe sem barbatanas. Sem sua pesada e desajeitada carapaça, torna-se indefeso até contra as moscas. E Deus não lhe concedeu nem um rabo para espantá-las.
*****
O jornalista, crítico e filólogo H. L. Mencken (Henry Louis Mencken) nasceu em Baltimore, Maryland, no dia 12 de setembro de 1880 e estudou no Baltimore Polythecnic. Tendo começado sua carreira jornalística como repórter, Mencken veio a exercer cargos editoriais em diversos jornais e revistas. Morreu em sua cidade natal na noite de 28 para 29 de janeiro de 1956.
Os textos acima, dão uma dimensão variada do estilo e incisividade do autor. Em pessoa, ele era mais conservador do que por escrito. Sua idéia de uma noite feliz era ouvir e tocar Brahms e Schubert, se bem que ele e seu amigo Nathan (autor da frase "bebo para tornar os outros interessantes") tomaram pileques homéricos, enquanto riam dos outros.
Os ensaios constantes de "O Livro de Insultos de H.L. Mencken", seleção e tradução de Ruy Castro, editado pela Companhia das Letras - São Paulo, 1988.

Iniciação


Cora Rónai

Nasci em Ardnamurchan, você não vai conseguir nem pronunciar, quanto mais entender. Mas não faz mal, Maria Clara, porque isso já foi há tanto tempo. Hoje não importa mais. Basta você saber que fica na Escócia e que é um lugar muito frio e muito úmido a maior parte do ano, onde as pessoas são tristes e fechadas em si mesmas. Talvez assim você compreenda por que sou como sou de vez em quando. Ou não, quem sabe. De qualquer forma, tudo isto está muito além do que precisamos saber um sobre o outro. Um café?

Archibald ergue-se da poltrona devagar, toma cuidado para não derrubar os livros que tem sobre os joelhos. Escolhe um disco na estante.

— Bach, Maria Clara, que tal? Gottes Zeit ist die alerbeste Zeit, tenho certeza de que você vai gostar.

Maria Clara estica-se no tapete, fecha os olhos aos primeiros compassos. Ultimamente, esforça-se para entender Archibald, gostar das cantatas, sonatas e motetos que povoam a casa. Já consegue reconhecer a música de alguns compositores, pequenos testes que ele lhe apresenta. Vamos ver se você adivinha de quem e este cânon?

Sentam-se à mesa, arrumam as xícaras, o café, está bom de açúcar? Archibald remexe uma pilha de cadernos, procura a pagina certa.

— Então, vamos ver o que você fez de bom?

Gosta de dar aulas para Maria Clara: elas são, hoje, fugas da rotina da universidade da qual começa a sentir-se cansado, ensinando, pelo décimo ano consecutivo, as mesmas coisas a pessoas invariavelmente desinteressadas e desinteressantes. Seu relacionamento com os alunos é frio, quase impessoal: um pouco por timidez, um pouco por européias noções de hierarquia que se recusa a abandonar. Isso nunca chegou a incomodá-lo, especialmente há alguns anos atrás, quando a presença de Lillian tornava outras presenças desnecessárias. Depois, as relações entre ambos foram-se deteriorando e, quando mudou-se para o Brasil, ela recusou-se a acompanhá-lo. Embora tivesse sentido algum prazer em mortificar-se com o fracasso de seu casamento, anos depois Archibald se viu forçado a reconhecer que, na época, o que sentira fora principalmente uma sensação de alívio e liberdade. Não havia mais ninguém para controlar-lhe os movimentos ninguém para reclamar dos cachimbos, impedi-lo de dedicar-se a seus poemas ou abaixar o volume da vitrola. Não havia mais ninguém, igualmente, para afagar-lhe os cabelos, nenhum corpo à noite. Esta ausência, entretanto, só veio a notar muito tempo depois na verdade, quando começou a dar aulas para Maria Clara. Agora gostaria de ter, eventualmente, alguém com quem conversar, algum amigo. Mas os anos de solidão e uma timidez que, geralmente, não se encontra nos homens atraentes, o desacostumaram de conversas íntimas, de confidências sussurradas a meia luz por sobre os cinzeiros. Na universidade, não consegue trocar mais do que polidos cumprimentos com os colegas; dos alunos, sente-se cada vez mais distante com o passar dos anos. Aos 40 anos é um homem só — e, se por um lado, a solidão ensinou-lhe muito a respeito de si mesmo, há sentimentos sobre os quais não lhe disse nada, dos quais começa a ter medo porque os julgava esquecidos para sempre.

Maria Clara, marcando o ritmo da cantata com os dedos, conta o número de ripas da veneziana entreaberta, percorre as estantes com os olhos, as lombadas verdes, vermelhas, a imensa pilha de livros de bolso alaranjados. Observa seu professor, a cabeça curvada sobre o caderno, cachimbo numa das mãos enquanto com a outra anota erros, faz correções. Os cabelos muito lisos, desmaiados entre o louro e o cinza, caem-lhe sobre os olhos: quando o cachimbo está preso entre os dentes, a mão, livre, joga-os para trás num gesto inútil.

— Muito bom o trabalho. Você está melhorando, sabe. Ainda tem alguma dificuldade em expor seu raciocínio numa linha uniforme, mas acho que, na sua idade, nem poderia ser de outra maneira. E erros de ortografia, precisa prestar mais atenção ao que escreve, menina.

— Mas é que inglês é muito complicado. Muito mesmo.

— Um pouco de atenção resolve muitas complicações. Há um texto de Saroyan muito bonito que eu quero que você conheça. Vou ditá-lo para você, a metade hoje, a metade amanhã. Onde será que coloquei o livro?

Levanta-se da mesa, vai até uma das estantes onde percorre os livros com a ponta dos dedos, puxa um volume pequeno, encadernado em amarelo. Escolhe também outro disco, que leva para a vitrola.

— Mais Bach Suite em Ré Maior para violoncelo, Rostropovitch. Pegue o caderno, escreva: pronta? Esta prestando atenção? In the time of our life, live — so in that good time there shall be no ugliness or death for youself or any life your life touches. Seek goodness everywhere and when it is found, bring it out of its hiding-place...

— O quê?

— Hiding-place. Esconderijo. Bring it out of its hiding-place and let it be free and unashamed. Place in matter and in flesh the least of values, for these are the things that hold death and must pass away.

Lê muito devagar, separando as frases com cuidado. Maria Clara gosta das palavras, gosta do som que adquirem na pronúncia clara e um pouco cantada de Archibald. Se ao menos não precisasse anotá-las! Sente que poderá passar ali o resto da vida, ouvindo-as uma após a outra, absorvendo-as tão completamente que, depois de algum tempo, perderiam todo o significado para tornarem-se apenas fragmentos de sons encadeados, como a sonata de Bach que a vitrola repete em surdina. Ou seria uma suite?

— Discover in all things that which shines and is beyond corruption. Vamos parar por aqui, hoje. Não e bonito? Deixe o caderno comigo. Não vou poder corrigir nada agora, dentro de meia hora tenho que estar numa reunião na faculdade, você vai ter que ir embora mais cedo. Sabe que os Beatles vão tocar nos Estados Unidos?

— Claro que sei.

— Então este vai ser o seu dever de casa: escrever trinta linhas sobre a tournée.

— Mas como é que eu posso escrever sobre alguma coisa que ainda não aconteceu?

— Usando a sua imaginação, por exemplo.

Poderia passar ali o resto da vida, entre os sons, o cheiro do fumo e os olhos acinzentados.
Depois de quase um ano, ainda não sabe exatamente por que aceitou dar aulas para Maria Clara, filha de um professor de física que acabara de voltar da Inglaterra: para que a menina não perca todo o inglês que aprendeu por lá. Pensou, então, que a experiência talvez valesse a pena. Mas quando a conheceu, jeans surrados, os cabelos escuros e compridos presos num rabo de cavalo, um jeito preguiçoso, disco dos Beatles embaixo do braço, chegou a arrepender-se de não ter afastado a idéia definitivamente. Para sua surpresa, porém, Maria Clara interessava-se muito mais pelo inglês do que julgara a principio. E embora inicialmente a tratasse com o mesmo distanciamento que reservava a todos os alunos — e, de resto, a todo o mundo, sem distinções — começou, com o correr do tempo, a descobri-la e, através dela, toda uma geração que nunca despertara seu interesse antes. Começara a descobrir em si próprio reações que julgava impossíveis, o riso, a conversa fácil e aberta. Divertia-se ouvindo-a contar o dia-a-dia do ginásio, ouvindo-a falar de colegas e professores, dos últimos lançamentos dos Beatles, dos olhos de Paul MacCartney ou das letras de John Lennon. Mais tarde, tornou-se cúmplice de cigarros fumados às escondidas pelos banheiros, corridas em motocicletas clandestinas e aulas mortas no terraço entre brincadeiras e jogos de batalha naval. eu contei para você mas você jura que não vai contar para o meu pai? Maria Clara também começou a descobrir coisas novas como as crises de choro sem motivo algum, as horas passadas ao lado da vitrola, os olhos perdidos no espaço ao som de concertos e motetos.

Há dias em que não sabe se vai conseguir sobreviver a todas as terças, quintas e fins de semana que a esperam sem aulas de inglês. Especialmente quando o tempo começa a escurecer, quando não há sol, não há passeios nem piscinas. As horas passam devagar e, na escola, há o sentimento do tempo e das aulas perdidas, para que matemática, história, geografia se tudo o que precisa aprender é inglês, se sabendo inglês conquistará o mundo e quem sabe Archibald, conseguirá ir até Ardnamurchan onde quer que fique e conhecer os vales verdes, as altas montanhas, o clima que sabe frio e úmido a maior parte do ano. Quinta-feira escorre inútil, a sexta arrasta-se pelas aulas de desenho e francês, pela geografia escamoteada no terraço, o cigarro escondido atrás das costas. De tarde, as horas são ainda mais lentas e há o tamborilar da chuva nas vidraças, há uma goteira na sala e uma professora irritada com a chuva, com a goteira, com os alunos. Há também um ensaio da classe de teatro às quatro e meia e, às quinze para as seis, há a sineta e a liberdade. Sacola as costas, Maria Clara corre feliz, enfrenta a chuva, atravessa a rua, segue a avenida, dobra a esquerda, novamente atravessa uma rua e, quando toca a campainha de Archibald está molhada da cabeça aos pés, a roupa colada ao corpo, a blusa branca transparente de chuva.

— Mas não é possível! Será que você não tinha um guarda-chuva, não podia esperar uma carona?

— É que não pensei que estivesse chovendo tanto assim. Nossa, estou ensopada.

— Entre. Você não vai poder ficar assim. Vá até o banheiro, tome um banho bem quente e vista o meu roupão que está pendurado ao lado do chuveiro. Depois nós poderemos colocar as suas roupas em frente ao fogão, acabarão secando. Ande depressa.

Na cozinha, Archibald liga a cafeteira elétrica ouvindo o barulho do chuveiro. tenta concentrar-se nas colheradas de pó, na água, mas não consegue esquecer a blusa molhada de Maria Clara, os seios de Maria Clara, Maria Clara nua no chuveiro, a água escorrendo pelo corpo jovem e moreno. Tenta pensar nos vinte e seis anos que os separam, na tampa da cafeteira que não quer fechar. Volta para a sala e, acendendo o cachimbo, procura o Saroyan da aula passada, relê o ditado de Maria Clara, os seios de Maria Clara, sua pele molhada e brilhante...

— Ficou meio grande o teu roupão, estou me sentindo ridícula.

—Não há motivo. Está linda, e pelo menos não vai ficar gripada. Estou preparando um café, achei que você precisaria beber algo quente. Vou buscar.

Maria Clara senta-se no tapete, pernas cruzadas, tenta ajeitar o roupão lilás em volta do corpo. As mangas cobrem suas mãos, diverte-se levantando-as e olhando para as pontas caídas como hastes dobradas. Archibald traz a bandeja, coloca-a em cima da mesa, inclina-se sobre Maria Clara para entregar-lhe a xícara. A proximidade súbita, o roupão entreaberto, os seios de Maria Clara criam uma atmosfera carregada que os cadernos e uma missa de Haendel não conseguem disfarçar. Volta para a poltrona, olha-a de frente, os cabelos molhados, o roupão, as pernas cruzadas, o rosto pálido. Maria Clara estremece, sente que alguma coisa está acontecendo mas não sabe o que é. Imagina que Archibald a quer, repele o pensamento que volta, intenso, segundos depois. Luta com as mangas do roupão para segurar a xícara, ri, nervosa.

— Estou parecendo uma débil mental.

— Espere. Vou dobrar as mangas para você, do jeito que estão você nunca vai conseguir beber este café.

Deixa-se escorregar da poltrona, caminha sobre o tapete com os joelhos no chão, aproxima-se de Maria Clara. Toma-lhe uma das mãos, começa a dobrar a manga com cuidado, como se mexesse com alguma coisa frágil e quebradiça.

— Você está tremendo...!

— Estou congelada.

Segura a mão tremula e fria entre as suas, levanta o rosto devagar. Os olhos de Maria Clara em frente aos seus, o cheiro de Maria Clara, os seios de Maria Clara... puxa-a para si, beija-lhe a testa, os olhos, a boca.

— Eu te queria tanto.

Ela treme, tem medo, está feliz. A mão de Archibald atravessa o roupão, acaricia os seios. Tenta afastá-lo.

— Não faz isso.

A mão foge, sobe para os ombros, abaixa o roupão.

— Archie, não.

— Por que não? Eu quero você, eu amo você. Vem, você é minha. Bem quietinha, não se mexe.

Maria Clara senta-se imóvel, a respiração ofegante. Archibald desamarra o cinto, o roupão escorrega, Maria Clara nua, tremula de medo e de expectativa, o coração aos saltos.

As mãos a percorrem, acariciam os seios, a barriga, procuram as pernas, escondem-se entre as coxas.

— Vem. Eu vou ensinar tudo para você, tudo. Isto é uma coisa muito mais bonita do que o inglês, vem, muito mais, vou te ensinar tudo. Deita.

Maria Clara deita-se no tapete, olha para o lado. Tem vontade e vergonha de olhar Archibald despir-se, mas sente seus movimentos, a camisa atirada em direção a poltrona, os pés que empurram as calças e estremece quando o tem ao lado, quando as mãos a envolvem e guiam suas mãos tímidas, quando os dedos percorrem seu corpo, caminhando de leve pelas pernas, subindo sentindo-a úmida e entregue, quando o tem por cima de si, tão suave e aflito, quando os joelhos forçam suas pernas, as palavras perdem o nexo e o mundo explode, eu te queria tanto.

Dez anos depois, Archibald deu um tiro na boca. Teve morte instantânea. Há nove não via Maria Clara que soube do suicídio vários meses depois, através da carta de um amigo que a cumprimentava pelo vigésimo quarto aniversário.
*********
Cora Rónai é jornalista, sendo hoje editora do caderno semanal Informátic@, do jornal "O Globo". Quando da publicação do texto acima, em outubro de 1981, na revista Status, de onde foi extraído, ela declarou: "Este conto foi escrito há alguns anos, uma primeira (e até agora, única) tentativa de erotismo datilografado. Escrevi outros contos, mas vivo de jornalismo, há dez anos o meu ofício — também a minha grande paixão."

O caboquinho

O caboquim cordô cêdo, ispriguíçô, lavô as mão na gamela, limpô uzói, sinxugô, tomô café, pegô a inxada, sivirô pra muié i falô:
- muiééé, tô in trabaiá.
Quano q'êle saiu da casa, ao invêiz di í prá roça, ele subiu num pé di manga i ficô iscundidim.
De repente pareceu um negão, ele foi inté upé di manga i nem si percebeu q'o caboquim tava lá inriba.
Pegô u'a manga...chupô, pegôta, i mais ôta..., i a muié du caboquim chegô na jinela e gritô:- Póvim, ele já foi!
O negão largô as manga i sinfurnô denda casa du caboquim.
O caboquim, danado de réiva, desceu da árve, pegô um facão e intrô na casa.
Quan q'ele abriu a porta ele viu o negão chupando as teta da muié, intonsi levantô u facão e falô: - Vai morrêêêêê negão!!!
E num é q'o negão puxô dum 38 da cintura, i pontô pro caboquim falano:
- Por que eu vou morrer?
E o cabuquim respondi:
- Uai, cê chupô trêis manga e agora tá mamando leite.
Assim tu vai morrê, manga cum leite faiz mar, uai !!!!!
 
 

Será o Benedito!


Mário de Andrade

A primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde agüentar a comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer:

— O hôme da cidade, chi!...

Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de pernas, seis, oito pernas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras grossas do pomar.

***

Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve:

— Mas será o Benedito! Não é assim, moço!

Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e superior. Pedi para ele me ensinar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias.

***

Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, "Será o Benedito!", com que ele arrematava todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais perfeitas realidades, e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os homens. "Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tuberculose que..."

— O que é isso?...

- É uma doença, Benedito, uma doença horrível, que vai comendo o peito da gente por dentro, a gente não pode mais respirar e morre em três tempos.

— Será o Benedito...

E ele recuava um pouco, talvez imaginando que eu fosse a própria tuberculose que o ia matar. Mas logo se esquecia da tuberculose, só alguns minutos de mutismo e melancolia, e voltava a perguntar coisas sobre os arranha-céus, os "chauffeurs" (queria ser "chauffeur"...), os cantores de rádio (queria ser cantor de rádio...), e o presidente da República (não sei se queria ser presidente da República). Em troca disso, Benedito me mostrava os dentes do seu riso extasiado, uns dentes escandalosos, grandes e perfeitos, onde as violentas nuvens de setembro se refletiam, numa brancura sem par.

Nas vésperas de minha partida, Benedito veio numa corrida e me pôs nas mãos um chumaço de papéis velhos. Eram cartões postais usados, recortes de jornais, tudo fotografias de São Paulo e do Rio, que ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que estavam, era fácil perceber que aquelas imagens eram a única Bíblia, a exclusiva cartilha do negrinho. Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho:

— Morrer não quero, não sinhô... Eu fico.

E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe, com seus "chauffeurs", seus cantores de rádio, e o presidente da República. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o pegara pela nuca. Não pude me conter: "Mas será o Benedito!...”. E é o remorso comovido que me faz celebrá-lo aqui.

São Paulo, 2ª. quinzena de outubro de 1939. (n°145)
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Texto extraído do livro "Será o Benedito!", Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e Agência Estado Ltda.- São Paulo, 1992.

Corno mansinho

Um sujeito, voltando de uma viagem de negócios, entra em um táxi no aeroporto.
Enquanto se dirigiam para casa, ele perguntou ao taxista se ele topava ser testemunha.
Ele suspeitava que a esposa estava tendo um caso e pretendia flagrá-la no ato. Chegaram silenciosamente à casa e subiram pé ante pé até o quarto..
O marido acendeu as luzes, arrancou o cobertor e lá estava a esposa dele na cama com outro homem.
O marido colocou a arma na cabeça do homem nu.
A esposa gritou: - Não faça isto! Este homem tem sido muito generoso! Eu menti para você quando disse que herdei dinheiro. Foi ele quem pagou o Audi que eu comprei para você. Ele pagou também o nosso iate novo. Foi ele quem comprou e mantém a nossa casa em Angra e comprou o título da Sociedade do Clube Rural!
Movendo perplexo a cabeça para os lados, o marido abaixou a arma. Olhou para o motorista e perguntou:
- O que você faria?
- Eu o cobriria logo com o cobertor, antes que ele pegue um resfriado.

Frases


Manuel Bandeira


Dos vendedores ambulantes que freqüentavam a Rua da União, dois me interessavam particularmente: a preta das bananas, com o seu vistoso xale de pano da Costa, e o homem dos sapatos. Este chegava com o seu grande baú de folha-de-flandres, abria-o na saleta de entrada e ficava esperando pela freguesia, que eram as senhoras de casa e da vizinhança. Eu gostava de olhar aquela confusão de borzeguins, chinelas e sapatos rasos. Mas, um dia, o sujeito, que era robusto e falava grosso, me interpelou: —Já vai ao colégio? Estuda Geografia? Qual é a Capital do Espírito Santo?

Embatuquei, e o sapateiro tripudiou: — Ignora?

O que eu esperava, o que eu ouvia dizer em tais ocasiões era: — “Não sabe?” Aquele “ignora”, que eu jamais ouvira, soou-me duro. Senti-me insultado, afastei-me do baú, nunca mais me aproximei do homem. E até hoje implico com esse inocente verbo “ignorar”, sobretudo no singular do presente do indicativo.

Outro dia foi meu tio Antonico que me surpreendeu, dizendo ao amigo Fiúza: — Quando você ia colher os cajus, eu já voltava com as castanhas!

Surpresa maior, porém, foi o que disse à minha avó unia sua amiga, ouvindo-lhe queixas de achaques que não cediam aos remédios: — Minha Dona França, deixe a natureza obrar!

Essas foram frases ouvidas na infância e então me soaram insólitas e inexplicáveis. Adulto, ouvi outras, sem nenhum mistério, mas igualmente surpreendentes. Assim, a de uma dessas pretinhas de Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:

— A que horas a senhora janta?

— Às oito horas.

— Não pode ser às sete?

— Quem marca o horário das refeições em minha casa sou eu, não a cozinheira.

A pretinha então, muito gentil:

— Claro, não leve a mal que eu pergunte: não vê que eu sou mulher da vida e tenho de noite o meu trabalho lá fora?


Texto extraído do livro "Colóquio unilateralmente sentimental", Distribuidora Record — Rio de Janeiro, 1968, pág. 15.

Senhor, tem pena de mim


Ivan Lessa

As vastas amendoeiras do Passeio Público fornecem aprazível refúgio àqueles que, por alguns minutos, desejam escapar ao alvoroço do Centro, deixando-se ficar sentados, simplesmente a matutar ou ler o jornal. Quando eu discretamente deixei a serrinha e o facão, embrulhados no Jornal dos Sports, ao meu lado no banco, uma boa meia-dúzia de gatos pingados, dentre as dezenas daquele logradouro, veio logo xeretar.

Perfume de mulher bonita é sabonete. Sabonete e sangue. Na manga do paletó de brim branco uma gota rubra brotara entre a noite de ontem e a manhã de hoje. Para que nunca te esqueças de mim, ó malvado! Um gato com um olho só me fitava. Distingui no horizonte, cruzando a baía cor de conhaque, a Barca da Cantareira.

Retirei o lenço do bolso, assoei o nariz. Atitudes de cais, ares úmidos de adeus. Tentei acertar com um pontapé o olho que sobrara ao bichano errante. Eu também fui um cego. A língua malvada dessa gente. Os falsos amigos. O ciúme corroeu meu peito, Uma serpente envolveu meu coração. Sou pássaro sem ninho, perdido nas ilusões da grande metrópole. Tua traição. Ingrata e pérfida. Pra mostrar que braço é braço, nada mais fiz que dar murro em ponta de faca. Espingarda e baioneta, couro mais duro. Teu corpo magistral, escultural. Minha loucura. Perdição. Mendigo de tua esmola. Trapo inútil. Eu te digo adeus. Brááp. Opa. Pelo grito e pelo berro. O som desta buzina.

Até o gato zarolho se assustou. Sou homem de enredada digestão. Dia de rabada, na pensão da Vanda, não cheguem perto de mim. Nessas tardes olorosas. Peguei o rumo da Lapa deixando atrás o legado maldito envolto na infausta notícia em cor-de-rosa de que Perácio, para domingo, estava fora de cogitações.


Vai graxa sim. Do alto de minha cadeira retiro do prendedor o exemplar de Estrelas em Desfile. Ninon de Vallois figura com destaque no mais recente show do Folies Bergère e, a se julgar pela foto, informa o redator, com tal chassi seguramente essa garota vai... longe! A barca deve ter chegado a Niterói. Pffft. Esse foi de mansinho.

O engraxate salpica água em meu sapato direito com a garrafa de Caxambu tapada com rolha, um furinho. Abano disfarçando. Betty Grable vem ao Brasil, Seu marido, o trumpetista Harry James, que mantenha o olho vivo, pois Betty, é sabido em Hollywood, não faz segredo de sua admiração pelos galãs latino-americanos. Cesar Romero que o diga. Poucos sabem que, no início de sua carreira, a explosiva loura foi crooner de orquestra. Ela não só canta mas encanta. Eu entrava no apartamento da Evaristo da Veiga, o dono do negócio, com chave própria, e a ouvia no quarto cantarolando junto com o rádio os sucessos da atualidade. Não importava a hora do dia, frio ou calor, havia sempre uma suave penumbra, propícia aos amantes, perpassando cada aposento — um rumor de asas, nosso ninho, o ventilador Ideal, bule azul de café, gaiola doirada. Mesmo assim, eu checava o bidê e as toalhinhas.

O gato negro de meu ciúme. Sob o astro-rei, solar tirano, um barco a vela navega manso. Vestido no manto da ilusão, sombra perdida na tarde, vago em rumo da Conde Laje tendo o firmamento por testemunha. Venho do porto das tristezas, parto para o cais do pecado. Na carne, amarras que são garras. Tempo feliz que jamais há de voltar, passado sepulto, em dor.

Um copo de Hidrolitol sempre ajuda a digestão além de refrescar. Brindemos à vida. Vejo a bolha criada por meus sonhos surgir e desaparecer no largo recipiente de vidro. Sorvo lento, peido baixo. Desafio o destino e adquiro, do maneta frente ao Silogeu, o gasparino da fortuna. Faraco me fará rico. Olho a girafa. Na ausência de gato.


A uruguaia faz barba, cabelo e bigode e não tem sentido ficar na Conde Lage. Olha, muchacha, façamos um acordo: assim. Seis meses de Santo Amaro, Bento Lisboa e Correia Dutra e, por volta do Grande Prêmio Brasil, te lo juro, apartamento com criada e tudo em Copacabana. Nunca lhe menti, nunca lhe enganei, você sabe que pode confiar em mim. Eu falo com a madama, está tudo arrumado, você não se iluda com as mentiras multicores da cidade.

Precisas de um homem com experiência da vida: A cera brilha como espelho; o aroma forte traz evocações deliciosas. Tu tens o mundo a teus pés e não o sabes: A cigana não nos enganou. Buena dicha. Um país encantado nos espera. Ela ri quando eu digo que leio o futuro nas pregas. Aqui eu vejo um estranho em seu destino que lhe fará muito feliz. Cuidado com uma amiga falsa: Notícias de casa. Pfff. Estás viendo? Ué, será o Benedito? Cu cor-de-rosa é sinal de bom coração.


Crepúsculo singular. As luzes da cidade se acendem piscando de volta para a lua e as estrelas. Uma baratinha amarela quase me pega na Senador Dantas. Na agitação dos cabarés, os primeiros anjos da noite abrem as asas em exótico bailado.

No Amarelinho, começam as primeiras histórias tristes. Máscaras caem, outras se ajustam. Coletivos apinhados transportam vidas sem razão. Ergue-se a cortina revelando o cenário do drama cotidiano vivido à noite entre o néon; o álcool, o riso falso. Anjo, Homem-Pássaro e Ângelus. Brilham os olhos dos gatos do Passeio Público. Um brilha de olho só. Cem mil verdes olhos mágicos dos aparelhos receptores se dilatam e se contraem em busca da sintonia perfeita. Confirmada a ausência de Perácio no clássico das multidões.

Funcionário das Barcas revela que teve sua atenção chamada para a mala macabra devido ao mau aroma que de lá se desprendia. As diligencias prosseguem e um perito afirma que os despojos pertencem indubitavelmente a pessoa do sexo feminino. No mictório da Brahma, vertendo, vejo-me ao lado de festejado compositor que conheço ligeiramente de bar. Pergunto se me permite cantarolar um sambinha que eu tenho para o reinado de Momo.

Veja você, me diz ele, há dez anos atrás eu rachava ao meio pedra de gelo com o jato do mijo, hoje não empurro nem bola de naftalina. Rio da boa mas não desisto. Ai, ai, Senhor, tem pena de mim, não suporto a dor de viver triste assim, Breque: Ai, ai, Senhor. Ele diz que depois a gente vê isso.

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Ivan Lessa fez parte do grupo que colaborou e que, durante muito tempo, fez sucesso no jornal "O Pasquim". Carioca, filho de Orígines Lessa e Elsie Lessa, escreve valendo-se de um humor cheio de ironias. Auto-asilado na Inglaterra, segundo ele por ter-se desencantado com o Brasil, trabalha na BBC de Londres.


O texto acima foi extraído do livro “Garotos da fuzarca”, Companhia da Letras – São Paulo, 1987, pág. 51, seleção de Diogo Mainardi.