Fragmento do romance "Moscas de Guerra":
"Muitos na Inglaterra nunca ouviram falar nesta guerra que persiste por cinco anos. As várias dissertações chegam truncadas, por diferentes interpretações de acordo com a distância do conflito e a fantasia dos repassadores destas, tais como: telegrama recebido na legação brasileira em Londres: "A guerra acabou (falso). López fugiu para a Bolívia ou escondeu-se em Corrientes (falso). A execução de seu irmão, bispo, prisioneiro, confirmada. População de Assunção que foi ocupada pelo marquês de Caxias, retorna".
Recentemente, M. Elisée, na Revue dês Deux Mondes, classificou o Paraguai como "Etat pacifique par excellence" com a impunidade da ignorância, quando cada cidadão era um soldado. Mesmo durante o período jesuíta, o lavrador do solo era um homem chamado às armas.
Raramente, nada mais impressionante foi apresentado ao mundo do que esta tragédia, desta luta sem paralelo, mantida por um período tão longo, com tamanhas dificuldades chegando às vias da aniquilação e genocídio de uma raça. A tenacidade de buldogues e o heroísmo desta Esparta indígena, tendo como único ponto vulnerável a linha do rio, que corre do norte para o sul, foi
defendida com um valor selvagem raro na história da humanidade. Alguns a vêem como nação massacrada pelo peso de seus inimigos mais fortes, sua população tragada pelas necessidades de uma guerra sangrenta e perdida, sem comunicação com o mundo exterior. Entretanto, resolvidos a morrer em vez de se submeter aos poderes maiores que, lentamente, mas certamente, a esmagarão. Outros não vêem mais que uma raça bárbara, engarrafada pela geografia dos rios, com um tirano sedento de grandiosidade. Escravos de um déspota? O Atila da América, lutando por ameaças aos vizinhos que um mundo civilizado não pode mais conceber.
Aqueles que escrevem permitiram a sua imaginação e a seus preconceitos guiar seu julgamento e a maioria jogou sua imparcialidade.
Os poucos Lópezguaios, os simpatizantes do Marechal Presidente, o pretendem O Libertador da América do Sul, o Cincinatus da América, o rei Leopoldo do Prata, e gratificam o nome dado pelos seus cidadãos; o Grande Homem Branco (Karaí Guazu). O Paraguai é para estes autores outra Polônia, pequena ilha tragada em luta de três contra um, sob a tutela do Império.
Acusam o Brasil de impor sua vontade na bacia do Prata; que nenhum país pode impor o governo que queira outro. Predizem terríveis crises quando a questão Negra e os grandes feudalismos forem desativados. E acusam L'Empire Esclava-giste "por ter dado alforria a seus soldados escravos para escravizar outros povos. Muitos chamam o Marechal Presidente de Tirano do Paraguai, o Monstro López, o Nero, o Theodoro, o Bárbaro do Paraguai. E classificam a longa campanha como a batalha da civilização contra o isolamento de um Japão sul-americano, erroneamente datado do tempo do Dr. Francia.
As minhas simpatias estão com o Brasil, e a sua missão de abrir o grande Mississipi do Sul; conservar aberto e desenvolver o magnífico leito navegável do Paraguai, Paraná, Prata; e varrer de seus portos baterias e fortificações que conservem suas águas desertas em vias internacionais.
No entanto, não posso deixar de admirar a energia indomável do Marechal Presidente e seu pequeno e forte poderio, que nunca serão esquecidos enquanto a história for relembrada.
A campanha do Paraguai é essencialmente uma guerra de trincheiras, em oposição aos cercos e ataques, e trincheiras tiveram decidida importância na estratégia militar após tão longa campanha.
Fiz duas visitas aos campos de guerra. A primeira, de 15 de agosto a 5 de setembro de 1868, à foz do rio Tebicuary, quando as baterias de São Fernando vinham sendo bombardeadas, que precederam as cortinas para o terceiro ato. A segunda visita, de 4 a 8 de abril de 1869, quando a guerrilha seria a ultima fase da campanha. Durante três anos e meio de residência e serviço no Brasil, a questão paraguaia foi conversa diária, e onde o meu testemunho foi falho pude contar com o de outros informantes e participantes da campanha.
Tentei sintetizar a campanha, que bem explicada poderá ser facilmente entendida. Compõe-se de três grandes cenas:
Cena 1ª: O presidente López levanta uma força de 80.000 homens e resolve interferir nas ações do Brasil nos assuntos do Prata (invasão do Uruguai pelas forcas brasileiras); a derrubada dos Blancos aliados de López, a imposição e aliança com os Colorados de Venáncio Flores; o
bombardeamento de Paissandu; o fuzilamento de Leandro Gomes, a tomada de Montevidéu pelas forças imperiais; e a força do Banco Mauá, no Prata, e o apoio de Mitre ao Brasil. Solano López entra nas hostilidades e se determina a ser coroado Imperador até Buenos Aires.
Cena 2ª: O presidente López, comandando seus exércitos, em pessoa, consegue defender as fronteiras da Republica e, gradualmente vai se retirando para o Norte, contra forças mais poderosas e uma possante frota naval. López luta por cada centímetro de seu território, com prodigiosa tenacidade. Esta fase de resistência acaba após três anos em Lomas Valentinas, o "Waterloo do Paraguai". Este golpe terrível foi dado em 25 de dezembro de 1868.
Cena 3ª: Até agora sem final, setembro de 1869, fase da guerrilha, o presidente López compelido a abandonar sua capital, Assunção subindo para Cerro Leon e fazendo sua nova capital em Paraguary. Nesta fase deixei o rio da Prata.
Nomeado, por Sua Majestade britânica, Cônsul em Damasco, eu agora me despeço, com sinceros sentimentos do Brasil, esta terra gloriosa, o jardim da América do Sul, que durante tanto tempo me acolheu como no meu lar."
Capitão, Richard E. Burton
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Quem foi o inglês que "descobriu o Brasil"
Sir Richard Francis Burton veio ao Brasil como cônsul da Grã-Bretanha na cidade de Santos (SP) e viajou o país em busca de riquezas que pudessem ser aproveitadas pelo Velho Mundo. "Em vista de tantas riquezas para as classes desgraçadas da Europa, que pode dizer que não há nada para os pobres e vis, salvo miséria e desespero", escreveu Burton a respeito do rio São Francisco. "A vinda de Burton ao Brasil não foi uma circunstância fortuita, atendia um interesse claro do Império Britânico", opina o historiador da Universidade Federal de São João Del Rey e especialista em Richard Burton, Paulo Roberto Varejão. "Burton veio aqui para estudar a experiência portuguesa de colonização nos trópicos, que ele já havia conhecido e admirado em partes da Índia." Referências Para Varejão, isso explica as diversas referências à cultura indiana que o britânico faz no livro Viagem de Canoa de Sabará ao Oceano Atlântico (Explorations of the Highlands of Brazil). A obra foi o resultado dos quatro meses de viagem de Burton pelos rios das Velhas - de Sabará até Pirapora - e São Francisco. "Aqui a cana de açúcar e o abacaxi crescem naturalmente. O gado e outros animais de fazenda abundam e não haveria dificuldades em aclimatar o camelo. E a região tem um potencial de riquezas minerais que vai muito além do ouro, do ferro e dos diamantes que aqui já são explorados", escreveu Burton a respeito do vale do Velho Chico. Além de explorador renomado Burton também era um reconhecido lingüista e falava 25 idiomas. Ele chegou a liderar uma expedição em busca da nascente do Nilo, mas ataques de tribos hostis africanas e um ferimento com lança na mandíbula o obrigaram a desistir, uma aventura relatada no filme As Montanhas da Lua. Burton traduziu para o inglês obras de idiomas e culturas tão diferentes quanto o indiano Kama Sutra, o árabe As Mil e Uma Noites e o português Os Lusíadas. Também bastante interessado em religião, Burton nasceu de familia cristã, mas adulto se converteu ao islamismo e morreu como um devoto muçulmano em 1880, aos 59 anos de idade.