terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

O nacional-burrismo


acreditar na idéia de que as "grandes potências" querem dominá-lo por meio da cultura

A QUESTÃO
O NACIONALISMO RESSURGIU EM TODO O MUNDO. NO BRASIL, ELE SE MANIFESTA SOBRETUDO NA CULTURA, QUE, NO AFÃ DE VALORIZAR "NOSSAS RAÍZES POPULARES", DEIXOU DE SER VISTA COMO UM REPERTÓRIO DE GRANDES OBRAS LITERÁRIAS, MUSICAIS, FILOSÓFICAS.

O PERIGO
ALÉM DE FOMENTAR UMA AVERSÃO INJUSTIFICADA AO QUE VEM DE FORA, O NACIONALISMO CULTURAL ESCONDE O VERDADEIRO PROBLEMA: AS ENORMES DEFICIÊNCIAS DO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO.

O nacionalismo cultural, uma das idéias mais perigosas que jamais afligiram o planeta, está ressurgindo em toda parte como reação ao processo de globalização. A idéia é perigosa, porque a idealização da própria cultura tem como corolário a desvalorização da cultura alheia, o que estimula as rivalidades nacionais e as guerras, e também porque a invenção de um inimigo externo comum cria falsas solidariedades e silencia contradições internas. Essa idéia está renascendo na Europa diante da penetração crescente da cultura americana. Está renascendo nos Estados Unidos, cada vez mais convencidos de serem o povo eleito, designado por Deus para converter o mundo ao American way of life. E está renascendo no Brasil.

O nacionalismo cultural foi muito influente entre nós, desde a fase de consolidação de nossa independência. Tudo começou com o nacionalismo romântico de Gonçalves Dias. Depois vieram o nacionalismo científico de Sílvio Romero e Euclides da Cunha, o nacionalismo modernista de Graça Aranha e Oswald de Andrade, o nacionalismo regionalista de Gilberto Freyre e o nacionalismo autoritário de Azevedo Amaral. Comum a todas essas variedades é o tema da falta de originalidade de nossas elites culturais, sua tendência compulsiva a copiar modelos estrangeiros.

A partir dos anos 50, o nacionalismo deixou de ser predominantemente cultural e passou a ser político e econômico. Em parte, foi dessa índole o nacionalismo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), para o qual a "redução" da cultura estrangeira tinha como objetivo principal a promoção de nossa autonomia socioeconômica, e mesmo o dos militares, para os quais o repúdio às ideologias "exóticas" estava a serviço de uma fantasia de grande potência.

Com o fim da ditadura militar, o nacionalismo político e econômico perdeu fôlego, mas houve uma curiosa regressão para o nacionalismo cultural. Essa regressão fez-se acompanhar de uma redefinição do conceito de cultura. Ela deixou de ser vista como um repertório de grandes obras literárias, musicais e filosóficas e passou a ser vista num sentido etnográfico, como conjunto de valores, tradições, modos de fazer e de sentir. Foi a hora e a vez da ideologia da "broa de milho". Essa tendência está se acentuando em nossos dias. Quanto mais o governo é acusado de dobrar-se a exigências neoliberais, mais faz questão de mostrar-se fiel a nossas raízes nacional-populares. Tudo se passa como se o nacionalismo cultural estivesse ocupando o vazio deixado pelo recuo do nacionalismo político-econômico.

Essa mudança de função não torna o nacionalismo cultural menos perigoso. Como toda ideologia, ele induz o que minha geração chamava "falsa consciência". Essa falsa consciência faz com que os nacionalistas lamentem o caráter "inautêntico" da nossa cultura e o atribuam à influência dos grandes centros hegemônicos, sem se dar conta de que grande parte do problema se deve a nossos déficits educacionais e ao impacto do lixo cultural difundido pela indústria eletrônica de massas. Ora, essa indústria pode ser estrangeira, mas pode também ser nacional. A cultura de massas americana é indesejável por ser cultura de massas, e não por ser americana. A cultura de massas brasileira produz resultados igualmente deploráveis.

A verdade é que nas condições de um mundo globalizado, a cultura brasileira só poderá subsistir e se impor internacionalmente mediante a abertura para o mundo. Para mantermos nossa identidade cultural, temos de avançar, e não nos entrincheirar atrás de barricadas. Avançar significa, entre outras coisas, incorporar o que existe de melhor na cultura estrangeira. Não teríamos tido o cinema novo se Glauber Rocha tivesse sido impedido pelos nacionalistas da época de ler Cahiers du Cinéma, nem a bossa nova se eles tivessem retido na alfândega os discos de jazz.

O chauvinismo é um fenômeno social, e não necessariamente político. A sociedade brasileira abrigou no passado focos de chauvinismo antilusitano, como hoje tem nichos de chauvinismo antiargentino e principalmente antiamericano. Opor-se ao unilateralismo de Bush é dever de todas as pessoas de bem, mas é preciso velar para que essa crítica política não se degrade em xenofobia cultural. Há uma palavra de ordem contra o Halloween, pichada em várias paredes do centro do Rio, cujo tom é tão fascista que se chega a suspeitar que os autores da inscrição pertencem a uma organização de extrema direita. Aparentemente eles acham que só o Halloween é uma festa importada, e que o Natal já era celebrado pelos índios, com pinheirinhos cheios de luzes e flocos de algodão, quando Cabral chegou ao Brasil. Patologias desse gênero existem em todas as sociedades, mas elas podem traduzir-se em atitudes racistas quando estimuladas politicamente.

Certas importações são de fato irritantes, como acontece no caso da linguagem. Mas corrigir essas anomalias por decreto é uma anomalia maior ainda. Não há nada de mais provinciano que a legislação francesa que tenta impedir o uso de palavras estrangeiras, como se a própria língua francesa não fosse um amálgama de contribuições latinas, célticas e germânicas, e como se o inglês, contra o qual se quer defender o francês, não fosse constituído em altíssima proporção de palavras francesas levadas à Inglaterra pelos normandos. Uma lei semelhante no Brasil faria pouco sentido, porque o problema, entre nós, é que a maioria das pessoas não sabe português. Se quiserem que os adolescentes de hoje deixem de traduzir delete por deletar, tomem providências para que todos eles leiam Machado de Assis. Enquanto isso, eu não me preocuparia demasiadamente com deletar: é um neologismo, sim, mas já aceito pelo Aurélio e que, apesar da opinião de alguns puristas, me parece muito bem formado, construído a
partir de uma raiz impecavelmente latina (delere, destruir, que subsiste no adjetivo indelével).

O famoso caráter "inautêntico" da cultura brasileira, provocado pela vocação mimética de nossas elites, é um falso problema. O verdadeiro problema é a estrutura de poder da sociedade brasileira. O que está em jogo não é saber se o Brasil copia ou não a cultura estrangeira, e sim examinar por que as relações sociais internas dificultam o acesso das classes populares à grande cultura, seja ela nacional ou estrangeira. A inimiga não é a cultura estrangeira, e sim a incultura, que condena suas vítimas a uma ignorância imparcial, impedindo-as de conhecer tanto Proust quanto Guimarães Rosa.

(Sergio Paulo Rouanet é filósofo, diplomata, ex-ministro
da Cultura e autor de As Razões do Iluminismo )

ANTIAMERICANISMO PATOLÓGICO

por Rodrigo Constantino

“Para os latino-americanos é um escândalo insuportável que um punhado de anglo-saxãos, chegados ao hemisfério muito depois dos espanhóis, tenham se tornado a primeira potência do mundo”. (Carlos Rangel)


O povo brasileiro é, segundo algumas pesquisas apontam, um dos que tem maior sentimento negativo em relação aos Estados Unidos. A grande causa, creio, está na ignorância alimentada pela inveja. A falta de conhecimento acerca de inúmeros fatos, junto com décadas de lavagem cerebral ideológica, transformaram a nação do norte num demônio, assim como no perfeito bode expiatório. Não será meu objetivo aqui esgotar o assunto, pois seria necessário, para tanto, um livro inteiro. Sugiro então a leitura de A Obsessão Antiamericana, do francês Jean-François Revel. Ou, para quem preferir um estilo mais irônico, Manual do Perfeito Idiota Latinoamericano, o qual tem, entre os autores, Álvaro Vargas Llosa. Neste artigo irei tratar do tema de forma sucinta.

Uma das principais acusações contra os Estados Unidos diz respeito à seu poderio militar e seu aspecto belicoso. Muitos chegam ao absurdo de afirmar que é o poder americano que representa a maior ameaça à paz mundial, não a corrida armamentista de Irã, Coréia do Norte ou China. Chamam o país de “império”, e acham que sua força inigualável gera instabilidade no mundo. Não param para refletir que, mesmo com tanto poder, os Estados Unidos jamais foram conquistadores. Ignoram que entraram em várias guerras apenas de forma reativa, defendendo sempre o lado correto. Até mesmo a mais fracassada de todas as guerras, com o Vietnã, costuma gerar muito calor nos debates, mas pouca luz. Esquecem o contexto, e ignoram que o regime de Ho Chi Min, depois da partida americana, matou em poucos anos cerca de três vezes mais que as duas décadas de guerra com os Estados Unidos. Não citam Camboja, que não teve intervenção americana, e por isso mesmo viu o Khmer Vermelho, do comunista Pol-Pot, trucidar algo como 30% de sua população. Não pensam que a ajuda americana na Coréia foi o que possibilitou a sulista ser próspera e livre hoje, e não como sua irmã do norte. Mas ainda tem gente que pensa que o mundo seria mais calmo se o Irã tivesse o mesmo poder que os Estados Unidos.

Durante a Guerra Fria, havia uma divisão mais igual de forças, com o império soviético dividindo com os Estados Unidos a hegemonia. Alguém por acaso acha que o mundo era mais seguro? A hegemonia unilateral dos americanos hoje é bem mais tranquilizadora que a situação anterior, com um império maligno, que objetivava a exportação do terror mundo afora, ameaçando a paz e a liberdade dos povos. Graças ao poder americano o mundo não caiu nas garras comunistas. Não fossem os americanos e seu poder bélico, talvez boa parte do mundo hoje falasse russo e obedeceria a uma nomenklatura ditatorial, com os dissidentes jogados num campo de concentração qualquer da Sibéria. Se Hitler fracassou, devemos isso aos americanos, e se Stalin e seus seguidores também fracassaram, novamente devemos isso ao poder dos americanos. Todos que defendem a liberdade, ou seja, repudiam o nazismo e o socialismo, deveriam agradecer esta força militar americana que hoje tanto condenam, sem reflexão alguma.

Os Estados Unidos nunca conquistaram nações. Foram atacados tanto pelo Japão como pela Alemanha, reagiram, venceram, e garantiram a liberdade nesses países, que hoje desfrutam da segunda e terceira maiores economias do globo, respectivamente. Estão tentando fazer o mesmo no Iraque, ainda que a situação seja bem mais delicada ali. Aliás, sobre o Islã, é relevante destacar que nas intervenções na Somália, Bósnia ou Kosovo, assim como pressões sobre o governo macedônio, tiveram por objetivo defender as minorias islâmicas. Quem ataca de facto os muçulmanos são os próprios muçulmanos, como no caso do Iraque no Kwait, que foi defendido pelos americanos, ou na Argélia, onde o próprio povo que se massacra sozinho. Como que tamanha contradição pode passar desapercebida? Em 1956, foram os americanos que detiveram a ofensiva militar anglo-francesa-israelense contra o Egito, na chamada “Expedição Suez”. Nada disso é relevante para os povos obstinados e imbuídos de fé cega, assim como pesada lavagem cerebral de seus líderes, que utilizam os Estados Unidos como perfeito bode expiatório para justificar suas atrocidades domésticas.

Há muito mais o que se falar no campo militar, mas podemos partir para o caso econômico também. Os Estados Unidos são acusados de exploradores comerciais, mas ignoram que o país possui um déficit com praticamente todas as demais nações. São mais de US$ 700 bilhões importados todo ano a mais do que exportam. Em outras palavras, os consumidores americanos garantem o emprego de milhões de pessoas mundo afora, e ainda são acusados de exploradores e “consumistas”. Dependem do consumo dos americanos, mas vivem condenando-o. Criticam o embargo a Cuba, esquecendo que este país apontou mísseis para a Flórida e tomou na marra as empresas americanas na ilha, sem notar ainda a contradição de que culpam a ausência do comércio com os Estados Unidos pelos males do país comunista ao mesmo tempo que culpam o comércio pela pobreza de outros países. É preciso decidir se ser parceiro comercial dos americanos é solução para a miséria ou exploração que leva à miséria!

Enfim, a lista de acusações infundadas seria infindável. Claro que existe muito o que se criticar nos Estados Unidos, não há dúvida. Mas está muito evidente que estas pessoas não estão utilizando a razão para tanto. Não são críticas racionais, mas sim passionais, totalmente desprovidas de lógica. Não é razoável alguém bradar contra os Estados Unidos ao lado de Chávez, por exemplo. Não há um pingo de lógica em alguém que justifica um Bin Laden, achando causas para seu terrorismo nos próprios Estados Unidos, por exemplo. Na verdade, este antiamericanismo, em grau impressionante no Brasil, é totalmente patológico. É uma doença mesmo, fruto de uma inveja indomável. Certas pessoas jamais irão perdoar o fato desses “broncos” americanos terem criado em poucos séculos a nação mais próspera do mundo, com base em ampla liberdade individual. Não vão perdoar também o fato deles não terem deixado os soviéticos acabarem com a liberdade no mundo. A patologia é tanta, em alguns casos, que gostariam que a Al Qaeda conseguisse aquilo que os comunistas não conseguiram: a destruição dos americanos. Caso para a psiquiatria mesmo...


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O jornalista burro

Gramsci dizia que os jornalistas são os que mais se acham intelectuais. Ele ria disso. De fato, até hoje, os jornalistas, por escreverem todos os dias, se acham intelectuais. Muitos acreditam, inclusive, que por causa de que escrevem, eles são também leitores. Mas não são. Em geral não possuem hábito de leitura, sabem apenas um pouco de política cotidiana, nada de filosofia e, de literatura, muito menos. Mas a população de um país pobre e com índices educacionais baixos, acaba até acreditando que o jornalista, por escrever, lê e é culto. E ao fim o próprio jornalista acha conveniente ele mesmo acreditar nisso.

Mas, não raro, o jornalista é uma figura medrosa, cujos hábitos intelectuais são tacanhos e, pior de tudo, é o que vai ler isso que escrevo e vai dizer: não vale generalizar. Ora, quando alguém diz isso, então está comprovada a sua burrice.

Escrever é generalizar. Principalmente na crítica jornalística, o principal instrumento, e talvez impossível de ser substituído, é a generalização. Não podemos nunca escrever bem se optamos por contar casos, picuínhas. Nem podemos escrever frases do tipo "os são paulinos são uns arruaceiros, mas o Huguinho, o Zezinho e o Luisinho, e mais o fulano X e o Y, não são". Não faria sentido. Ou seja, quando escrevemos, generalizamos - forçadamente. O leitor inteligente sabe disso. O burro não. O burro acha que foi para ele, somente para ele, que falamos o que falamos. À vezes, até foi!

Outro dia, um jornalista burro ficou bravo comigo por causa de que eu mostrei para ele que ele era burro ao dizer que eu não podia generalizar. Todavia, o sujeito era tão burro que ele não percebeu o que eu estava lhe ensinando, e ficou agressivo. Ele não percebeu que a toda frase que ele escrevia ele generalizava, e quanto mais negava isso, mais burro se mostrava. E cada vez que eu dizia que ele era burro e estava comprovando isso, ficava mais nervoso.

Mas o pior de um jornalista não é só a burrice. O pior, mesmo, é quando ele é burro e se acha inteligente. Talvez fosse o caso de começarmos a fazer uma triagem nas redações de jornais. Um mecanismo interessante seria colocar um mata-burro na porta. Isso ajudaria muito. Pois sobrariam poucos e, com certeza, os menos puxa sacos do poder. Pois jornalista burro, que se acha inteligente, é aquele que ataca um poder para que ninguém perceba que ele está sendo financiado por outro.


Paulo Ghiraldelli Jr. "O filósofo da cidade de São Paulo".
Site: www.filosofia.pro.br

O BRASIL VISTO PELA TV

por Maria Lucia Barbosa, socióloga

A Televisão é o altar diante do qual as massas se ajoelham em atitude de adoração aos ídolos populares, fabricados muitas vezes com a argila da mediocridade, pintados com as tintas da vulgaridade.

Jornais são relativamente pouco lidos desempenhando, portanto, função moderada na formação da opinião pública. Já a TV exerce influência vital na vida das pessoas. É informação rápida e volumosa que não solicita muito do raciocínio, entretenimento e prazer, companhia e consolo. Moda, linguajar, costumes, crenças, comportamentos, atitudes e valores são hoje menos transmitidos pelos meios de controle social como a família, a escola, a Igreja, e mais pelos canais de televisão com suas novelas, filmes, programas variados, entre os quais alguns de bom nível.

Na TV, contudo, não predomina o bom gosto ou a sofisticação. Mesmo porque, esse meio de comunicação de massas é produto e reflexo da sociedade e dos tempos em que se vive. Fantasiando a realidade a televisão reflete e devolve em forma de sonho a imagem recriada do que se passa entre os indivíduos. É como se fosse um gigantesco espelho mágico. Ao mesmo tempo, o espelho projeta o que as pessoas gostariam de ser e ter na vida real, e não podem.

A TV é por excelência o palanque eletrônico onde atores políticos desfilam com o intuito de alcançar e manter o poder. E aqui não se deve omitir que o rádio se presta igualmente às doutrinações políticas e religiosas, portanto, ao controle social, mas não com tanto impacto.

Quanto aos telejornais cito o poeta e ensaísta alemão, Hans Magnus Enzensberger: “A idéia de que a TV, um dia, poderia democratizar o conhecimento, foi apenas uma ilusão. O telejornal é o melhor exemplo dos seus limites de ação. Incoerentes, esses jornais televisivos não têm a menor intenção de informar, mas de vender qualquer coisa”.

De uns tempos para cá nossos telejornais estão vendendo boas notícias como se continuassem a obedecer às ordens do então ministro Luiz Gushiken. E não poderiam, é claro, faltar escândalos e tragédias. Desse modo, o acontecimento mais momentoso do início do ano foi a cratera que se abriu em São Paulo, originada das obras do metrô. Dia e noite os telejornais repetiram algo sobre o imenso buraco e não se sossegou enquanto não apareceram as vítimas. Mas, como tudo guarda intenções políticas, depois da eleição para presidente da Câmara dos deputados quando foi vitorioso o petista Arlindo Chinaglia, a cratera sumiu, pelo menos dos vídeos. E que, conforme a mídia, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB) teria apoiado Chinaglia.

Nos telejornais podemos saber o que se passa no Iraque que está no ar vinte quatro horas. Muitas outras notícias internacionais, mas nada de especial sobre o grande companheiro Hugo Chávez, sua lei habilitante que lhe confere poderes ditatoriais, seu crescente armamentismo com intuitos atômicos, o desabastecimento de carne na Venezuela. Nenhuma palavra sobre os mineiros que marcharam com bananas de dinamite para protestar contra Evo Morales, outro companheiro querido. Silêncio sobre as intenções do recém-eleito presidente do Equador, Rafael Correa, que pretende expropriar investimentos estrangeiros, o que poderá prejudicar o Brasil naquele país a exemplo do que fez Evo Morales sem que aqui se levantasse uma única voz nacionalista.

No Brasil um cenário róseo é visto na TV. Bastante futebol (apesar da inesperada derrota para Portugal que passou batida). Intoxicação de PAN. Um tanto de PAC (a nova panacéia governamental). Daqui a pouco volta a novela da formação do ministério possibilitando ao presidente da República, que anda recolhido, mais exibições televisivas que no primeiro mandato tiveram a característica de overdose visual.

Na TV a indústria brasileira cresceu (na verdade diminuiu o ritmo). Muito estardalhaço sobre a violência urbana, com o cuidado de não respingar nas autoridades enquanto, independente daquela Guarda Nacional que até agora não mostrou a que veio, a ocorrência de um dos crimes mais bárbaros já ocorridos no Rio de Janeiro: numa cena de horror um menino de seis anos morre ao ser arrastado preso no carro, pelos bandidos que roubaram o veículo de sua mãe. Na TV o presidente Luiz Inácio dizendo que a Saúde no Brasil atingiu a perfeição, na realidade a tragédia da jovem de dezessete anos, que em trabalho de parto percorreu quatro hospitais sem conseguir atendimento vindo a falecer com seu bebê. Na TV a educação brasileira como a melhor do mundo, nos jornais a manchete: “educação piora em 10 anos”. Nos aeroportos caos e revolta sem que o governo tome a menor providência. Provavelmente o presidente Luiz Inácio não viu e não sabe o que está ocorrendo com os passageiros, a maioria, certamente, seus eleitores.

Mas enquanto o povo acreditar na TV está tudo bem. Especialmente para o governo petista. Que precioso instrumento de poder é a televisão. Luiz Inácio que o diga.

Os ateus são prepotentes?

O ÔNUS DA PROVA

por Rodrigo Constantino
“A ignorância traz muito mais certezas que o conhecimento.” (Charles Darwin)


Os ateus e agnósticos costumam ser injustamente acusados de prepotentes. Os crentes afirmam que os ateus se acham os donos da verdade. Não poderia haver maior inversão! O ponto de partida de um ateu é justamente o reconhecimento da nossa ignorância, dos limites do nosso conhecimento. Há muito que o homem pode aprender sobre o mundo, principalmente utilizando sua principal ferramenta epistemológica, que é a razão. Foi raciocinando, e não rezando, que chegamos a tantos avanços tecnológicos e medicinais, ou mesmo às conquistas da liberdade. Mas há um limite onde nossos sentidos conseguem chegar. Além disso, resta um mar de desconhecimento.

O ateu consegue conviver com essa ignorância, com muitas dúvidas sobre o mundo, sobre as questões básicas que sempre mexeram com os homens. Como tudo começou, de onde viemos, para onde vamos, tais questões não têm resposta ainda, e o reconhecimento disso é que possibilita a eterna busca por mais conhecimento. Como disse Epíteto, “é impossível para um homem aprender aquilo que ele acha que já sabe”. Mas o crente religioso não suporta a dúvida. Ele não consegue apenas não saber. “A dúvida é tortura apenas para o crente, mas não para o homem que segue os resultados de sua própria investigação”, disse Humboldt. E então surgiram muitas religiões, oferecendo as respostas prontas, garantindo já saber sobre essas questões complexas. A prepotência, portanto, está justamente do outro lado, do lado dos que juram saber as respostas, pois estas teriam sido “reveladas”.

Muitos entendem que deus é uma palavra apenas para designar esse desconhecido, essa vastidão acima da nossa capacidade intelectual. Mas nesse caso, eu pegaria emprestada a frase de Frank Lloyd Wright, e diria que acredito em deus, mas soletro natureza. Não vejo porque dar outro nome então. Pois o outro nome, deus, vem carregado de outros conceitos, e gera muito mais confusão. Cada um terá sua idéia subjetiva do que venha a ser esse deus. O deus de Einstein, por exemplo, é muito parecido com o dos ateus, já que ele declarava não crer na imortalidade do indivíduo e considerava a ética uma preocupação exclusivamente humana, sem nenhuma autoridade super-humana acima. Não vejo mal algum nisso. Mas vejo riscos no deus antropomórfico que muitos homens criam e passam a acreditar. Um deus que observa os homens, que pune, que salva, enfim, no deus cristão ou no Alá dos muçulmanos. Essa crença em deus pode ser prepotente por afirmar saber as respostas, e ainda costuma ser intolerante, pois não admite competição e repudia qualquer outro deus.

Algumas perguntas delicadas são feitas pelos ateus, mas costumam ficar sem respostas objetivas por parte dos crentes. Se esse deus meio humanizado é onisciente, sabe de tudo, então ele tem que conhecer a dor e o sofrimento, para ter criado tais sentimentos. Mas como pode um ser perfeito conhecer a dor e o sofrimento? A perfeição pressupõe ainda a inércia, pois qualquer mudança, qualquer ação, irá levar inexoravelmente para uma situação pior. Como deus agiu então para criar o mundo? A ação é fruto do desconforto e da busca pela melhoria, e seres perfeitos não agem. Se o teísmo é vagamente definido como uma força superior, um ser misterioso cuja essência não podemos sequer entender, então deus seria um ateu. Ele não acredita numa força superior a ele mesmo, e seus próprios poderes, apesar de acima dos homens, seria natural para ele, e compreensíveis. Tudo seria “natural” pela sua perspectiva. É justamente o que defendem os ateus.

Muitos crentes ficam incomodados com isso tudo, e partem para a fuga mais conhecida: exigem que se prove então que deus não existe. Mas como se pode provar uma não existência? Se for uma fantasia, como seria possível provar que ela é mesmo uma fantasia? A ciência busca refutar teorias, testando-as. As que suportam os testes, são consideradas válidas até que provem o contrário. Mas é impossível partir da necessidade de provar que algo não existe. Eu poderia afirmar que existe um gnomo vivendo em minha casa, e que ele é invisível e indetectável. Nenhum método que os homens conhecem seria capaz de provar a sua existência. Se eu pedisse para provarem que ele não existe, isso seria impossível. E creio que se eu insistisse muito em sua existência, era mais provável chamarem os homens de branco e me levarem para um hospício, depois de realizado um teste com o bafômetro. O ônus da prova deve estar com aqueles que afirmam sua existência, não o contrário.

Os ateus apenas não reconhecem as crenças subjetivas dos crentes como prova da existência de um deus. Se alguém deseja que suas crenças sejam levadas a sério pelos demais, deve mostrá-las como algo mais que conceitos pessoais, que um estado da mente. Uma crença torna-se objetiva quando é justificada com razões que podem ser examinadas e avaliadas por outros. Caso contrário, não é nada mais do que uma visão pessoal das coisas, uma emoção do indivíduo que nada prova sobre o mundo externo.

Espero ter deixado mais claro que os ateus costumam ser mais humildes por aceitar a ignorância humana, enquanto os crentes assumem uma postura de prepotência e intolerância porque consideram que já sabem as respostas.


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Publicado em 09/02/2007