sexta-feira, 4 de julho de 2008

Não me pertence mais!


"Ao vento": Óleo sobre tela_40cmX20cm

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Elogio aos Idiotas

A idiotice tem várias facetas. Há espertalhões, por exemplo, que para não serem considerados burros aplaudem o que não entendem e há pessoas geniais, como Einstein, que passam por idiotas. A verdade é que os idiotas, como os sábios, tentam sempre, sem medo de errar.

Por Carlos Cardoso Aveline


Na vida acelerada do mundo de hoje, todos querem ser espertos, vivos e astuciosos. Ninguém quer ficar para trás, quando você está indo, os outros já estão voltando. Ninguém mais diz frases com segundas intenções: dizem coisas com terceiras, quartas e quintas intenções. Frases que, com sorte, um leigo demora de dez a 30 minutos para decifrar, e até dois dias para imaginar uma resposta à altura.

Em compensação, alguém que diz diretamente aquilo que pensa acaba provocando escândalo e mal-estar. É imediatamente catalogado como perigoso e tratado como idiota. A sinceridade parece contrariar as normas da convivência e da boa educação modernas. Assim, as pessoas

bem-educadas são amáveis, mas nem sempre se deve acreditar no que dizem.

A idiotice é um tema vasto, com muitos aspectos diferentes, que sempre esteve presente na minha vida e está inscrita com destaque na cultura brasileira. Um exemplo disso são as tradicionais piadas de português. Elas são uma projeção da brasilidade. No fundo, os portugueses idiotas das piadas somos nós. Os episódios que envolvem Manuel, Joaquim e Maria são todos uma parte da alma do nosso país, tanto é assim que só são conhecidos no Brasil. Em Portugal, ao contrário, circulam piadas de brasileiros.

É certo que, quando examinamos a questão da inteligência e da idiotice, surgem algumas perguntas indiscretas: o que é, afinal, inteligência? O que é burrice? Quantos tipos há de idiotas?

Inteligência é a capacidade de perceber o real. E, como há realidades muito diferentes no mundo, não existe um tipo único de inteligência. Cada situação da vida requer um tipo específico de percepção, e por isso as inteligências são múltiplas. Por sua vez, a idiotice e a burrice podem ser definidas como a incapacidade de perceber o real. E são tão variadas quanto as inteligências. Há, portanto, muitos tipos de idiotas. Alguns deles, inclusive, são espertalhões. Sim, há idiotas que passam por inteligentes, e também há pessoas inteligentes que passam por idiotas.

Além disso, quem é inteligente em uma área da vida pode ser burro em outras. Você é esperto em política e burro na hora de jogar futebol. Sua namorada pode ser menos intelectual que você, na hora de discutir filosofia, mas há aspectos da vida em que ela coloca você no chinelo. Há coisas que seus filhos pequenos fazem bem melhor que você, como, talvez, compreender as sutilezas de um videogame ou computador. Felizmente, ter sabedoria não é saber tudo. Ter sabedoria é saber o mais importante, e administrar bem os seus talentos.

Dos muitos tipos de idiotas, um dos mais interessantes foi examinado por François Rabelais, o escritor francês do século 16. Ele abordou a burrice específica dos "doutores" que usam palavras complicadas para não dizer coisa alguma. Um deles - conta Rabelais - fez certo dia uma longa pesquisa para saber "se uma entidade imaginária, zumbindo no vácuo, é capaz de devorar segundas intenções". Outro queria saber "se uma idéia platônica, dirigindo-se para a direita sob o orifício do caos, poderia afastar os átomos de Demócrito". Um terceiro investigava "se a frigidez hibernal dos antípodas, passando numa linha ortogonal através da homogênea solidez do centro, podia, por uma delicada antiperístase, aquecer a convexidade dos nossos calcanhares". Rabelais qualifica tais idiotas eruditos como professores cegos de discípulos cegos, "que tateiam em um quarto escuro à procura de um gato preto que não está lá".(1) Tais indivíduos eram precursores de Rolando Lero, o grande erudito da televisão brasileira.

Conheço seres humanos que têm tanto medo de parecer burros que aplaudem - ou pelo menos fingem que compreendem - esse tipo de raciocínio longo, encaracolado, sem significado algum. Mas tal constrangimento é desnecessário: deixando de lado o medo de parecer idiotas, perderemos menos tempo fingindo e seremos mais felizes.

O caso de um dos maiores gênios da ciência, Albert Einstein, é ilustrativo. No início da vida, ele recusou-se a falar antes dos 3 anos de idade. Seus pais, pessoas sensatas, pensavam que fosse retardado mental. Mais tarde, quando Einstein ingressou na escola, ele foi novamente considerado imbecil. Seu biógrafo é obrigado a admitir:

"Para os colegas de classe, Albert era uma anomalia que não demonstrava interesse nenhum pelos esportes. Para os professores, era um idiota que não conseguia decorar nada e se comportava de modo estranho. Em vez de responder imediatamente a uma pergunta, como os outros alunos, sempre hesitava. E, quando respondia, movia os lábios em silêncio, repetindo as palavras." (2) Décadas mais tarde, Einstein deu o troco. Ele qualificou o nosso moderno sistema educacional como uma estrutura que reprime a inteligência e busca fabricar idiotas obedientes:

"A humilhação e a opressão mental imposta por professores ignorantes e pretensiosos causam danos terríveis na mente jovem; danos que não podem ser reparados e que geralmente exercem influências maléficas na vida futura." E ainda: "A maioria dos professores perde tempo fazendo perguntas para descobrir o que o aluno não sabe, quando a verdadeira arte consiste em descobrir o que o aluno sabe ou é capaz de saber." (3) Por isso Mark Twain escreveu: "Nunca permiti que a escola atrapalhasse meus estudos." E George Bernard Shaw admitiu: "Em determinado momento, interrompi meus estudos para ingressar na universidade." É verdade que, desde então, o sistema educacional já melhorou um pouco. Mas deve melhorar mais.

Einstein não estava só ao ser considerado idiota. Quando jovem, o pensador indiano Jiddu Krishnamurti também despertou fortes suspeitas de que era um débil mental. Durante 50 anos, no século 20, ele deu palestras no mundo todo, e teve dezenas de livros importantes publicados em várias línguas. Mas nos seus primeiros anos de estudante, na Índia, Krishnamurti era incapaz de acompanhar os estudos. Não memorizava nada, detestava os livros e ficava horas observando a evolução das nuvens no céu, ou acompanhando a vida de plantas ou insetos.

De fato, o santo e o idiota têm muito em comum, não só entre si, mas também com as árvores e os animais. Todos eles vivem em um estado de comunhão que é independente do pensamento lógico.

Isso contraria a inteligência situada no hemisfério cerebral esquerdo, que rotula e classifica todas as coisas. Essa inteligência gosta de colocar-se como se tivesse o monopólio da consciência. Esse, aliás, é um dos grandes obstáculos para a prática da meditação: a mente pensante não aceita passar o poder à mente que contempla e compreende a verdade sem necessidade de pensamentos.


ALÉM DAS APARÊNCIAS

A primeira frase dos famosos Ioga Sutras de Patañjali, o tratado milenar sobre raja ioga, afirma: "Ioga é a cessação das modificações da mente." Para alcançar a hiperconsciência, o estado mental do êxtase divino, é necessário paralisar por um momento a mente inferior. O sábio é um ser que renunciou à inteligência convencional e optou por uma percepção que a mente comum não consegue captar. Por isso, mesmo na sociedade brasileira do século 21, se aquele que ingressa no caminho espiritual não tiver certos cuidados, pode ser considerado louco, ou idiota, pelos seus parentes e amigos. Mas, do ponto de vista do sábio, a situação se inverte e idiota é aquele que fica preso à lógica do mundo externo.

A ciência parece reforçar o ponto de vista do sábio ao afirmar que, realmente, usamos uma parcela muito pequena do potencial disponível em nosso cérebro. Esse é um dado da natureza, e não adianta discutir com a realidade. O problema não é, pois, que sejamos um tanto limitados mentalmente. O lamentável é que, sendo limitados, nos consideramos extremamente espertos. O filósofo Sócrates, escolhido como o homem mais sábio da Grécia, explicou: "Eu e os homens notáveis de Atenas nada sabemos, e a única diferença entre eu e eles é que eu, nada sabendo, sei que nada sei, enquanto eles, nada sabendo, pensam que sabem muito."

Há um fato que nem sequer os livros de inteligência emocional confessam abertamente: quando se desperta a inteligência espiritual, perde-se, irremediavelmente, a inteligência astuciosa que permite coisas como mentir com habilidade, usar a lisonja na medida certa e falar a verdade só quando ela traz vantagens.

Daí vem a sensação de nada saber diante do mundo. A expansão mística da consciência traz consigo uma inocência idiota em relação à realidade externa, e é por isso que os sábios renunciam à agitação, preferindo uma vida retirada. Para alcançar a consciência celestial, é necessário abandonar e perder a inteligência egoísta e assumir, em certos assuntos, a aparência de um abobado.

O escritor sufi Idries Shah - um pensador místico do islamismo - escreveu um livro intitulado A Sabedoria dos Idiotas. Na abertura da obra, explicou: "Aquilo que os homens de pensamento estreito imaginam que seja sabedoria é freqüentemente considerado loucura pelos sábios sufis. Assim os sufis, por sua vez, chamam a si mesmos de 'idiotas'. Por uma feliz coincidência, a palavra árabe que significa 'santo' (wali) tem a mesma equivalência numérica que a palavra que significa 'idiota' (balid). Assim, temos dois motivos para ver os grandes sufis como os nossos idiotas." (4)

Todo aprendiz da arte de viver deve libertar-se das chantagens emocionais do que é "politicamente correto" e deixar de lado os mecanismos da idiotice coletiva organizada, que forçam a formação de consensos falsos com base em esquemas de poder.

Mas para fugir da idiotice coletiva organizada - com sua psicologia de rebanho que proíbe o indivíduo de pensar por si mesmo - é indispensável vencer o medo de que nos seja colocado o rótulo de ovelha negra, ou de idiota. Só assim poderemos viver com responsabilidade própria e independência pessoal, duas características de uma vida valiosa. Há uma história de Ramakrishna, o sábio indiano do século 19, que ilustra bem esse ponto:

"Era uma noite completamente escura, séculos atrás. De repente, um sujeito acende uma tocha para iluminar seu caminho e vai até a casa do vizinho. Ele quer pedir fogo, porque a noite está demasiado escura. Depois de muito gritar e bater na porta, o vizinho finalmente abre a porta, ouve seu pedido e responde: 'Ah, ah, você é muito imbecil! Raciocine! Você tem uma tocha acesa na sua mão!' "

A moral da história é que todos nós corremos o risco de fazer como o pobre coitado que bateu na porta do vizinho. A verdade eterna e a fonte da felicidade estão em nossas próprias mãos. Só dependem de nós. Mas às vezes insistimos em procurá-las nas coisas externas e pedi-las a outras pessoas, renunciando à autonomia da nossa caminhada.

Os sábios, como os idiotas, são íntegros. Eles não fingem que são inteligentes e não têm medo de errar. Tentam, erram e quebram a cara. Mas, quando acertam, são geniais. O idiota de hoje pode ser o sábio de amanhã, graças à experiência adquirida. Em compensação, aquele que não possui ânimo para tentar não tem chance alguma de aprender.

Por isso devemos criar uma cultura em que é permitido a cada um cair e levantar livremente. Porque somos todos apenas aprendizes. Erramos e aprendemos o tempo todo, e devemos estimular em cada ser humano a coragem de buscar - mesmo tropeçando - os seus sonhos mais elevados.

Banindo da nossa cultura o medo do ridículo, cada um se permitirá um pouco mais de deselegância - e de autenticidade - em sua maneira de viver.

Notas

(1) Vidas de Grandes Romancistas, por Henry Thomas e Dana Lee Thomas, Editora Globo,

RJ-POA-SP, 1954. Ver p. 32.

(2) Einstein, a Ciência da Vida, uma biografia escrita por Denis Brian, Editora Ática, SP, 1998. Ver pp. 1, 3 e 4. (3) Assim Falou Einstein, coletânea editada por Alice Calaprice, Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1998. Ver pp. 64 (primeira frase da citação) e 63 (segunda frase).(4) Wisdom of the Idiots, Idries Shah, The Octagon Press, Londres, 1991. Ver p. 5.

domingo, 29 de junho de 2008

Filhinha do papai


A filha de um advogado não aparecia em casa havia mais de 5 anos.
Na sua volta, seu pai deu a maior bronca:
- Onde você estava durante esse tempo todo, desgraçada?!
Por que não escreveu sequer uma notinha dizendo como estava? Por que não telefonou? Vagabunda! Não sabe como a sua mãe tem sofrido por sua causa!
A garota, chorando:
- Pai....Virei prostituta...
- O que?!?
Fora daqui, sem vergonha, ordinária, desqualificada, vergonha da família, não quero te ver nunca mais!!!
- Tá bom, papai. Como o Sr. quiser...
- Eu somente voltei aqui para dar este casaco de pele e as escrituras da minha mansão do Morumbi para a mamãe; uma caderneta de poupança no valor de 5 milhões para o meu irmãozinho e, para você, paizinho querido, este Rolex de ouro puro, uma BMW 0km que está na porta, e um convite a todos para passarem o Reveillon a bordo do meu iate em Búzios.
Filhinha, você disse que tinha virado o que, mesmo?
- Prostituta, papai.
- Aaaaahhh, booommmm! Que susto você me deu, menina! Eu tinha entendido .... Professora substituta!!! Vem cá, dá um abraço no papai...

Não precisa casar. Sozinho é melhor

*Não precisa casar. Sozinho é melhor*

*Duda Teixeira* entrevista o psiquiatra Flávio Gikovate*
*Publicado na Revista Veja

*O psiquiatra decreta a morte do amor romântico e diz que a vida de solteiro
é um caminho viável para a felicidade*

*Com 41 anos de clínica, o médico psiquiatra Flávio Gikovate acompanhou os
fatos mais marcantes que mudaram a sexualidade no Brasil e no mundo. Por
meio de mais de 8.000 pessoas atendidas, assistiu ao impacto da chegada da
pílula anticoncepcional na década de 60 e a constituição das famílias
contemporâneas, que agregam pessoas vindas de casamentos do passado. Suas
reflexões sobre o amor ao longo de esse tempo foram condensadas no seu 26º
livro, Uma História de Amor... com Final Feliz. Na obra, a oitava sobre o
tema, Gikovate ataca o amor romântico e defende o individualismo, entendido
não como descaso pelos outros e sim como uma maneira de aumentar o
conhecimento de si próprio. Tendo sido um dos primeiros a publicar um estudo
no país sobre sexualidade, atuou em diversos meios de comunicação, como
jornais e revistas e na televisão. Atualmente, possui um programa na rádio,
em que responde perguntas feitas por ouvintes. Aos 65 anos, ele atendeu a
reportagem de Veja em seu consultório no elegante bairro dos Jardins, em São
Paulo.*

*Veja - O senhor diria para a maioria das pessoas que o casamento pode não
ser uma boa decisão na vida? *
*Gikovate *- Sim. As pessoas que estão casadas e são felizes são uma minoria. Com base nos atendimentos que faço e nas pessoas que conheço, não passam de 5%. A imensa maioria é a dos mal casados. São indivíduos que se envolveram em uma trama nada evolutiva e pouco saudável. Vivem relacionamentos possessivos em que não há confiança recíproca nem sinceridade. Por algum tempo depois do casamento, consideram-se felizes e bem casados porque ganham filhos e se estabelecem profissionalmente. Porém,lá entre sete e dez anos de casamento, eles terão de se deparar com a realidade e tomar uma decisão drástica, que normalmente é a separação.

*Veja - Ficar sozinho é melhor, então? **
Gikovate -* Há muitos solteiros felizes. Levam uma vida serena e sem conflitos. Quando sentem uma sensação de desamparo, aquele "vazio no estômago" por estarem sozinhos, resolvem a questão sem ajuda. Mantêm-se ocupados, cultivam bons amigos, lêem um bom livro, vão ao cinema. Com um pouco de paciência e treino, driblam a solidão e se dedicam às tarefas que mais gostam. Os solteiros que não estão bem são geralmente os que ainda sonham com um amor romântico. Ainda possuem a idéia de que uma pessoa precisa de outra para se completar. Pensam, como Vinicius de Moraes, que "é impossível ser feliz sozinho". Isso caducou. Daí, vivem tristes e
deprimidos.

*Veja - Por que os casamentos acabam não dando certo?*
*Gikovate -* Quase todos os casamentos hoje são assim: um é mais extrovertido, estourado, de gênio forte. É vaidoso e precisa sempre de elogios. O outro é mais discreto, mais manso, mais tolerante. Faz tudo para agradar o primeiro. Todo mundo conhece pelo menos meia-dúzia de casais assim, entre um egoísta e um generoso. O primeiro reclama muito e, assim,recebe muito mais do que dá. O segundo tem baixa auto-estima e está sempre disposto a servir o outro. Muitos homens egoístas fazem questão que a mulher generosa esteja do lado dele enquanto ele assiste na televisão os seus programas preferidos. Mulheres egoístas não aceitam que seus esposos joguem
futebol. Consideram isso uma traição. De um jeito ou de outro, o generoso
sempre precisa fazer concessões para agradar o egoísta, ou não brigar com ele. Em nome do amor, deixam sua individualidade em segundo plano. E a felicidade vai junto. O casamento, então, começa a desmoronar. Para os meus pacientes, eu sempre digo: se você tiver de escolher entre amor e individualidade, opte pelo segundo.

*Veja - Viver sozinho não seria uma postura muito individualista?*
* Gikovate -* Não há nada de errado em ser individualista. Muitos dos autores contemporâneos têm uma postura crítica em relação a isso. Confundem individualismo com egoísmo ou descaso pelos outros. São conceitos diferentes. Outros dizem que o individualismo é liberal e até mesmo de direita. Eu não penso assim. O individualismo corresponde a um crescimento emocional. Quando a pessoa se reconhece como uma unidade, e não como uma metade desamparada, consegue estabelecer relações afetivas de boa qualidade.
Por tabela, também poderá construir uma sociedade mais justa. Conhecem melhor a si próprio e, por isso, sabem das necessidades e desejos dos outros. O individualismo acabará por gerar frutos muito interessantes e positivos no futuro. Criará condições para um avanço moral significativo.

*Veja - Por que os casamentos normalmente ocorrem entre egoístas e generosos?*
*Gikovate -* A idéia geral na nossa sociedade é a de que os opostos se atraem. E isso acontece por vários motivos. Na juventude, não gostamos muito do nosso modo de ser e admiramos quem é diferente de nós. Assim, egoístas e generosos acabam se envolvendo. O egoísta, por ser exibicionista, também atrai o generoso, que vê no outro qualidades que ele não possui. Por fim, nossos pais e avós são geralmente uniões desse tipo, e nós acabamos repetindo o erro deles.*

* *Veja - Para quem tem filhos não é melhor estar em um casamento? E, para
os filhos, não é melhor ter pais casados?*
*Gikovate -* Para quem pretende construir projetos em comum - e ter filhos é o mais relevantes deles - o melhor é jogar em dupla. Crianças dão muito trabalho e preocupação. É muito mais fácil, então, quando essa tarefa é compartilhada. Do ponto de vista da criança, o mais provável é que elas se sintam mais amparadas quando crescem segundo os padrões culturais que dominam no seu meio-ambiente. Se elas são criadas pelo padrasto, vivem com os filhos de outros casamentos da mãe, mas estudam em uma escola de valores fortemente conservadores e religiosos, poderão sentir algum mal-estar. Do ponto de vista emocional, não creio que se possa fazer um julgamento definitivo sobre as vantagens da família tradicional sobre as constituídas por casais gays ou por um pai ou mãe solteiros. Estamos em um processo de transição no qual ainda não estão constituídos novos valores morais. É sempre bom esperar um pouco para não fazer avaliações precipitadas.
*
Veja - Que conselhos você daria para um jovem que acaba de começar na vida
amorosa?*
*Gikovate -* É preciso que o jovem entenda que o amor romântico, apesar de aparecer o tempo todo nos filmes, romances e novelas, está com os dias contados. Esse amor, que nasceu no século XIX com a revolução industrial, tem um caráter muito possessivo. Segundo esse ideal, duas pessoas que se amam devem estar juntas em todos os seus momentos livres, o que é uma afronta à individualidade. O mundo mudou muito desde então. É só olhar como vivem as viúvas. Estão todas felizes da vida. Contudo, como muitos jovens ainda sonham com esse amor romântico, casam-se, separam-se e casam-se de novo, várias vezes, até aprender essa lição. Se é que aprendem. Se um jovem já tem a noção de não precisa se casar par ser feliz, ele pulará todas essas etapas que provocam sofrimento.

*Veja - As mulheres são mais ansiosas em casar do que os homens? Por quê?*
*Gikovate -* As mulheres têm obsessão por casamento. É uma visão totalmente antiquada, que os homens não possuem. Uma vez, quando eu ainda escrevia para a revista Cláudia, o pessoal da redação fez uma pesquisa sobre os desejos das pessoas. O maior sonho de 100% das moças de 18 a 20 anos de idade era se casar e ter filho. Entre os homens, quase nenhum respondeu isso. Queriam ser bons profissionais, fazer grandes viagens. Essa diferença abismal acontece por razões derivadas da tradição cultural. No passado, o casamento era do máximo interesse das mulheres porque só assim poderiam ter uma vida sexual socialmente aceitável. Poderiam ter filhos e um homem que as protegeria e pagaria as contas. Os homens, por sua vez, entendiam apenas que algum dia eles seriam obrigados a fazer isso. Nos dias que correm, as razões que levavam mulheres a ter necessidade de casar não se sustentam. Nas universidades, o número de moças é superior ao de rapazes. Em poucas
décadas, elas ganharão mais que eles. Resta acompanhar o que irá acontecer com as mulheres, agora livres sexualmente, nem sempre tão interessadas em ter filhos e independentes economicamente.

*Veja - Como será o amor do futuro?*
*Gikovate -* Os relacionamentos que não respeitam a individualidade estão condenados a desaparecer. Isso de certa forma já ocorre naturalmente. No Brasil, o número de divórcios já é maior que o de casamentos no ano.
Atualmente, muitos homens e mulheres já consideram que ficarão sozinhos para sempre ou já aceitam a idéia de aguardar até o momento em que encontrarão alguém parecido tanto no caráter quanto nos interesses pessoais. Se isso ocorrer, terão prazer em estar juntos em um número grande de situações.
Nesse novo cenário, em que há afinidade e respeito pelas diferenças, a individualidade é preservada. Eu estou no meu segundo casamento. Minha mulher gosta de ópera. Quando ela quer ir, vai sozinha. E não há qualquer problema nisso.

*Veja - Quando duas pessoas decidem morar juntas, a individualidade não
sofre um abalo?*
*Gikovate -* Não necessariamente elas precisarão morar juntas. Em um dos meus programas de rádio, um casal me perguntou se estavam sendo ousados demais em se casar e continuarem morando separados. Isso está ficando cada dia mais comum. Há outros tantos casais que moram juntos, mas em quartos separados. Se o objetivo é preservar a individualidade, não há razão para vergonha. O interessante é a qualidade do vínculo que existirá entre duas pessoas. No primeiro mundo, esse comportamento já é normal. Muitos casais moram até em cidades diferentes.

*Veja - É possível ser fiel morando em casas ou cidades diferentes?**
Gikovate -* A fidelidade ocorre espontaneamente quando se estabelece um vínculo de qualidade. Em um clima assim, o elemento erótico perde um pouco seu impacto. Por incrível que pareça, essas relações são monogâmicas. É algo difícil de explicar, mas que acontece.

*Veja - Com o fim do amor romântico, como fica o sexo?**
Gikovate -* Um dos grandes problemas ligados à questão sentimental é justamente o de que o desejo sexual nem sempre acompanha a intimidade efetiva, aquela baseada em afinidade e companheirismo. É incrível como de vez em quando amor e sexo combinam, mas isso não ocorre com facilidade. Por outro lado, o sexo com um parceiro desconhecido, ou quase isso, é quase sempre muito pouco interessante. Quando acaba, as pessoas sentem um grande vazio. Não é algo que eu recomendaria. Hoje, as normas de comportamento são ditadas pela indústria pornográfica e se parece com um exercício físico. O sexo então tem mais compromisso com agressividade do que com amor e amizade.
Jovens que têm amigos muito chegados e queridos dizem que transar com eles não tem nada a ver. Acham mais fácil transar com inimigos do que com o melhor amigo. Penso que, com o amadurecimento emocional, as pessoas tenderão a se abster desse tipo de prática.

*Veja - As desilusões com o primeiro casamento têm ajudado as pessoas a
tomar as decisões corretas?**
Gikovate -* No início da epidemia de divórcios brasileira, na década de 70,as pessoas se separavam e atribuíam o desastre da união a problemas genéricos. Alguns diziam que o amor acabou. Outros, o parceiro era muito chato. Não se davam conta de que as questões eram mais complexas. Então, acabavam se unindo à outras pessoas muito parecidas com as que tinham acabado de descartar. Hoje, os indivíduos estão mais críticos. Aceitam ficar mais tempo sozinhos e fazem autocríticas mais consistentes. Por causa disso, conseguem evoluir emocionalmente e percebem que terão que mudar radicalmente os critérios de escolha do parceiro. Se antes queriam alguém diferente, hoje a tendência é buscarem uma pessoa com afinidades.
(...)