sábado, 23 de dezembro de 2006

SHAKESPEARE



"Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia, até a última sílaba do registro dos tempos. E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve! A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre palhaço que por uma hora se espavona e se agita no palco, sem que depois seja ouvido; é uma história contada por idiotas, cheia de fúria e muito barulho, que nada significa." Shakespeare

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"Sê verdadeiro para com teu próprio eu interior, e disto decorrerá - como a noite decorre do dia - que não terás capacidade para ser falso com qualquer um de teus semelhantes."
"Choramos ao nascer por que viemos a este imenso cenário de dementes."
Shakespeare

"(...) embora se trate de um só homem, deve mais pesar sua opinião do que a de todo um público composto dos 'outros'." Hamlet (ato III - c. II)
W. Shakespeare

(Shakespeare)
"O que é amor? Não é o futuro
A alegria presente tem riso presente
O que está por vir é ainda incerto."
(Shakespeare)
"Cada um de nós deve a Deus uma morte."
(Shakespeare)
"Somos feitos da mesma matéria dos sonhos e nossa curta existência é rodeada de sono."
(Shakespeare)

A Comédia dos Erros (1592-1593)

* "A mancha do adultério em mim se

alastra. Trago no sangue o crime da

luxúria, pois se ambos somos um, e

prevaricas, na carne trago todo o teu

veneno, por teu contágio me tornando

impura".
- Ato II - Cena II: Adriana

* "As queixas venenosas de uma

esposa ciumenta são de efeito mais

nocivo do que dentada de cachorro

louco".
- Ato V - Cena I: Abadessa

* "Sem ser provada, a paciência dura".
- Ato II - Cena I: Adriana

* "As mais belas jóias, sem defeito,

com o uso o encanto perdem".
- Ato II - Cena I: Adriana

Macbeth (1605-1606)

* "Tens medo de nos atos (...)

mostrar-te igual ao que és nos teus

anelos?"
- Ato I - Cena VII: Lady Macbeth

O Rei Lear (1605-1606)

* "A cólera também tem privilégios".
- Ato II - Cena II: Kent

Péricles (1608-1609)

* "É lícito aspirar ao que não se pode

alcançar".
- Ato II- Cena I: Primeiro pescador

Antônio e Cleópatra (1606-1607)

* "Pobre é o amor que pode ser

contado".

* "Entre dois beijos abrimos mão de

reinos e províncias".
- Ato III - Cena VIII: Escaro

Noite de Reis (1599-1600)

* "Os amigos me adulam e me fazem de

asno, mas meus inimigos me dizem

abertamente que o sou, de forma que

com os inimigos (...) aprendo a me

conhecer e com os amigos me sinto

prejudicado".
A Tragédia do Rei Ricardo II (1595-1596)

* "Nada me deixa tão feliz quanto ter

um coração que não se esquece de seus

amigos".
Trabalhos de Amor Perdidos (1594-1595)

* "Chorar velhos amigos que

perdemos não é tão proveitoso e

saudável como nos alegrarmos pelas

novas aquisições de amigos".

Henrique VI (1590-1591)

* "As águas correm mansamente onde

o leito é mais profundo".
- Ato III - Cena I: Suffolk

As Alegres Comadres de Windsor

(1600-1601)

* "Devemos aceitar o que é impossível

deixar de acontecer".
- "Ato V - Cena V: Page

Conto do Inverno (1610-1611)

* "Se os maridos das esposas infiéis

desesperassem, enforcar-se-ia a décima

parte da humanidade".

Coriolano (1607-1608)

* "A adversidade põe à prova os

espíritos".

Sonho de uma Noite de Verão

(1595-1596)

* "O amor não vê com os olhos, vê com

a mente; por isso é alado, é cego e tão

potente".
- Ato I - Cena I: Helena

Como Gostais (1599-1600)

* "Se não te lembram as menores

tolices que o amor te levou a fazer, é que

jamais amaste".
- Ato I - Cena IV -: Sílvio

O Mercador de Veneza (1596-1597)

* "O amor é cego, e os namorados

nunca vêem as tolices que praticam".
- Ato II - Cena VI: Jéssica

Tróilo e Cressida (1601-1602)

* "Nisto (...) é que consiste a

monstruosidade do amor: em ser infinita

a vontade e limitada a execução; em

serem ilimitados os desejos, e o ato,

escravo do limite".
- Ato III - Cena II: Tróilo

Cimbelino (1609-1610)

* "Os motivos do amor não têm

motivo".


Citações diversas

* "É uma infelicidade da época, que os

doidos guiem os cegos".

* "Sinto a fúria de suas palavras, mas

não entendo nada do que você diz."

* "Nunca poderá ser ofensivo aquilo

que a simplicidade e o zelo ditam."

* "O bom vinho é um camarada

bondoso e de confiança, quando tomado

com sabedoria."

* "É estranho que, sem ser forçado,

saia alguém em busca de trabalho."

* "A mulher que não sabe pôr a culpa

no marido por suas próprias faltas, não

deve amamentar o filho, na certeza de

criar um palerma."

* "Quem não sabe mandar deve

aprender a ser mandado."

* "Sábio é o pai que conhece seu

próprio filho."

* "As coisas mais mesquinhas enchem

de orgulho os indivíduos baixos."

* "O cansaço ronca em cima de uma

pedra, enquanto a indolência acha duro

o melhor travesseiro."

* "Até mesmo a bondade, se em

demasia, morre do próprio excesso."

* "Vazias as veias, nosso sangue se

arrefece, indispostos ficamos desde

cedo, incapazes de dar e de perdoar. Mas

quando enchemos os canais e as calhas

de nosso sangue com comida e vinho,

fica a alma muito mais maleável do que

durante esses jejuns de padre."

* "Sem saber amar não adianta amar

profundamente."

* "Algumas quedas servem para que

nos levantemos mais felizes."

* "Quanto mais fecho os olhos, melhor

vejo/ Meu dia é noite quando estás

ausente/ E à noite vejo o sol se estás

presente."

* "Mal usada, mesmo a mais dura faca

perde o fio."

* "Assim que se olharam, amaram-se;

assim que se amaram, suspiraram; assim

que suspiraram, perguntaram-se um ao

outro o motivo; assim que descobriram o

motivo, procuraram o remédio."

* "Sofremos muito com o pouco que

nos falta e gozamos pouco o muito que

temos."

* "Não há nada bom ou nada mau, mas

o pensamento o faz assim."

* "A vida é muito curta! Passar esse

momento de forma vil seria um

desperdício."

* "A verdade nunca perde em ser

confirmada."

* "Conservar algo que possa

recordar-te seria admitir que eu pudesse

esquecer-te."

* "Acontece que, para ter o que

desejamos, é melhor não falar do que

queremos."

* "O demônio pode citar as Escrituras

para justificar seus fins."

* "Quem se acompraz de ser adulado, é

digno do adulador."

* "A ambição deveria ser feita de pano

mais resistente."

* "Os homens têm morrido de tempos

em tempos - e os vermes os devoravam,

mas não foi por amor."

* "Ó poderoso amor! que por alguns

respeitos transformas um animal em

homem e por alguns outros, tornas um

homem em animal."

* "Um indivíduo pode sorrir, sorrir, e

ser um vilão."

* "A beleza persuade os olhos dos

homens por si mesma, sem necessitar de

um orador."

* "A beleza atrai os ladrões mais do

que o ouro."

* "Que jamais cresça em meu peito um

coração que confie num juramento ou

numa afeição."

* "Dê a todas pessoas seus ouvidos,

mas a poucas a sua voz."

* "Não é digno de saborear o mel,

aquele que se afasta da colméia com

medo das picadelas das abelhas."

* "Deixe vir o que me aguarda."

* "É mais fácil obter o que se deseja

com um sorriso do que à ponta da

espada."

* "A desconfiança é o farol que guia o

prudente."

* "Todo mundo é capaz de dominar

uma dor, exceto quem a sente."

* "Os homens deviam ser o que

parecem ou, pelo menos, não parecerem

o que não são."

* "As paixões ensinaram a razão aos

homens."

* "Nossas dúvidas são traidoras e nos

fazem perder o que poderia ser nosso

pelo simples medo de tentar."

* "O sono é o prenúncio da morte."

* "Nós somos feitos do tecido de que

são feitos os sonhos."

* "É melhor um tolo espirituoso do que

um espírito tolo."

* "'Consciência' é uma palavra usada

pelos covardes para incutir medo aos

fortes."

* "O que chamamos rosa, sob uma

outra designação teria igual perfume."

* "Ninguém poderá jamais

aperfeiçoar-se, se não tiver o mundo

como mestre. A experiência se adquire

na prática."

* "A glória do tempo é acalmar os reis

em conflito."

* "Não chegarão ao ouvido do Eterno,

as palavras sem sentimento."

* "Quase sempre as mulheres fingem

desprezar o que mais vivamente

desejam."

* "Devagar! Quem mais corre, mais

tropeça!"

* "Ninguém sabe a dor ou a delícia de

ser se não é."

Os Dois Cavalheiros de Verona

(1594-1595)
* "O sincero amor quase não fala;

melhor se adorna com fatos e ações a

verdadeira fé, não com palavras".

* "Amar é ser vencida a razão pela

tolice".

* "Amar é comprar escárnio à custa de

gemidos".

* "Perde-se facilmente um carneiro

quando o pastor se afasta do rebanho".
- Ato I - Cena I: Proteu

* "Queres pegar estrelas cintilantes

porque no alto as enxergas?"
- Ato III - Cena I: Duque

* "Ninguém poderá jamais se

aperfeiçoar, se não tiver o mundo como

mestre. A experiência se adquire na

prática".
- Ato I - Cena III: Antônio

* "Fugi do fogo para não me queimar e

fui cair no mar, onde me afogo".
- Ato I - Cena III: Proteu

* "É comum que a mulher se

descontente com o que mais aprecia.

Não convém desanimar por isso, o

desdém de hoje é prenúncio de um amor

mais forte".
- Ato III - Cena I: Valentino
*********
Os Dois Cavalheiros de Verona

(1594-1595)

* "O sincero amor quase não fala;

melhor se adorna com fatos e ações a

verdadeira fé, não com palavras".

* "Amar é ser vencida a razão pela

tolice".

* "Amar é comprar escárnio à custa de

gemidos".

* "Perde-se facilmente um carneiro

quando o pastor se afasta do rebanho".
- Ato I - Cena I: Proteu

* "Queres pegar estrelas cintilantes

porque no alto as enxergas?"
- Ato III - Cena I: Duque

* "Ninguém poderá jamais se

aperfeiçoar, se não tiver o mundo como

mestre. A experiência se adquire na

prática".
- Ato I - Cena III: Antônio

* "Fugi do fogo para não me queimar e

fui cair no mar, onde me afogo".
- Ato I - Cena III: Proteu

* "É comum que a mulher se

descontente com o que mais aprecia.

Não convém desanimar por isso, o

desdém de hoje é prenúncio de um amor

mais forte".
- Ato III - Cena I: Valentino
*********
Otelo (1604-1605)

* "Quando os diabos querem dar

corpos aos mais nefandos crimes,

celestial aparência lhes emprestam".
- Ato II - Cena III: Iago

* "Os ciumentos não precisam de

causa para o ciúme: têm ciúme, nada

mais. O ciúme é monstro que se gera em

si mesmo e de si nasce".
- Ato III - Cena IV: Emília

* "Os homens deveriam ser somente o

que parecem".
- Ato III - Cena III: Iago

* "Fora de casa sois pinturas; nos

quartos, sinos; santas, quando ofendeis;

demônios puros, quando sois ofendidas;

chocarreiras no governo da casa e boas

donas do lar quando na cama".
- Ato II - Cena I: Iago

* "A opinião pública, a mais alta

soberana do êxito...".
- Ato I - Cena III - Doge

* "Se a balança de nossa vida não

dispusesse de um prato de razão para

contrabalançar o da sensualidade, o

sangue e a baixeza de nossa natureza

nos conduziriam às mais absurdas

situações".
- Ato I - Cena III: Iago

* "O que não tem remédio remediado

está".
- Ato I - Cena III: Doge

* "A reputação é um apêndice ocioso e

enganador, obtido muitas vezes sem

merecimento e perdido sem nenhuma

culpa".
- Ato II - Cena III: Iago

* "Só escuta de bom grado uma

sentença quem em proveito próprio nela

pensa".
- Ato I - Cena III: Brabâncio

* "É tolice viver quando a vida é um

tormento: dispomos da prescrição de

morrer, quando a morte é nosso

médico".
- Ato I - Cena III: Rodrigo

* "É mais vantagem fazer uso de armas

partidas do que das mãos vazias".
- Ato I - Cena III: Doge

* "Trabalha, meu veneno! Trabalha!"
- Ato IV - Cena I: Iago

* "O bom vinho é um camarada

bondoso e de confiança, quando tomado

com sabedoria".
- Ato II - Cena III: Iago

* "Nossos corpos são nossos jardins,

cujos jardineiros são nossas vontades".
- Ato I - Cena III: Iago
********
Romeu e Julieta (1594-1595)

* "O que na solidão toma incremento

[como a tristeza], pode minguar na vida

em sociedade".
- Ato IV - Cena I: Páris

* "Mais rico o sentimento em conteúdo

do que em palavras, sente-se orgulhoso

com a própria essência, não com os

ornamentos".
- Ato II - Cena VI: Julieta

* "Prudência! Quem mais corre mais

tropeça".
- Ato II - Cena III: Frei Lourenço

* "Que há num simples nome? O que

chamamos rosa, com outro nome não

teria igual perfume?"
- Ato II - Cena II: Julieta

* "O mel mais delicioso é repugnante

por sua própria delícia".
- Ato II - Cena VI: Frei Lourenço

* "Os loucos não possuem orelhas".
- Ato III - Cena III: Frei Lourenço

* "Alguma dor é indício de amizade,

mas muito choro significa pouco

espírito".
- Ato III - Cena V: Senhora Capuleto

* "Incêndio a incêndio cura. Uma dor

faz minguar a mais antigas."
- Ato I - Cena II: Benvólio

* "Só os mendigos conseguem contar

quanto dinheiro têm".
- Ato II - Cena VI: Julieta

* "Se amor é cego, nunca acerta o

alvo".

* "Só ri das cicatrizes quem ferida

nunca sofreu no corpo".
- Ato II - Cena II: Romeu
**********
Timão de Atenas (1607-1608)

* "Muitos passam para outro amo

pisando no primeiro".
- Ato IV - Cena III: Timão

* "É preferível não ter amigos do que

os ter mais nocivos que inimigos".

* "Quem gosta de ser adulado é digno

do adulador".

* "Antes de amar quem só o mal me

deseja a quem, fingindo o bem, só o mal

me enseja".
- Ato IV - Cena III: Flávio

* "A cerimônia foi inventada para dar

brilho aos atos pálidos".
- Ato I - Cena II: Timão

* "A clemência é a verdadeira virtude

da justiça".
- Ato III - Cena V: Alcibíades

* "Corajoso é quem suporta

sabiamente o que de pior a boca humana

exala".
- Ato III - Cena V: Primeiro senador

* "Não é justo vingar nos vivos o erro

dos mortos. Não se herda o crime como

se herdam terras".
- Ato V - Cena IV: Primeiro senador

* "O egoísmo domina a caridade".
- Ato III - Cena II: Primeiro estrangeiro

* "Sabes de algum esbanjador que

tenha sido amado depois de ter perdido

tudo o que possuía".
- Ato IV - Cena III: Apemanto

* "Monstruoso é o homem quando

assume a forma da ingratidão".
- Ato III - Cena II: Primeiro estrangeiro

* "Lábios, fazei cessar o amargo verbo,

pondo fim à linguagem".
- Ato V - Cena I: Timão

* "Sou-vos grato porque roubais às

claras, sem assumirdes aparência santa;

o mais vultuoso roubo é praticado nas

profissões honestas".
- Ato IV - Cena III: Timão

* "Não nos basta ajudar os que

precissam; depois, devemos

ampará-las".
- Ato I - Cena I: Timão

PROVÉRBIOS e a Personalidade Humana

O Referencial Comum dos Provérbios e a Personalidade Humana
Rogério Lacaz-Ruiz


"Faça o bem e não olhe a quem."

"Estamos todos na mesma canoa."

"Lembra-se de que é pó e voltará a ser pó."

Introdução

A simples procura na Internet das palavras provérbio, proverbe, proverb e proverbs, resulta em quase 100 mil endereços contendo hipertextos sobre o assunto. A grande maioria trata do livro bíblico dos Provérbios, enquanto que outros abordam coletâneas e estudos sobre a importância destas frases quase mágicas. Até mesmo uma revista mantida pela Foundations of Semiotic Proverbs Study pode ser encontrada. Trata-se da De Proverbio - An Electronic Journal of International Proverb Studies. Mieder (1995) relata que no período 1984-1993, só a revista Proverbium, registrou um total de 725 coleções de provérbios novas ou reimpressas em todo o mundo.

O objetivo do presente estudo é mostrar a importância dos provérbios no contexto social e relacioná-los com o que é próprio da personalidade humana segundo Höffner (1983).


As funções dos provérbios

Grzybek (1995) afirma que os provérbios tem a função de produzir um efeito particular, uma mudança no estado de consciência nos ouvintes desejada pelo que fala. Esta e outras funções estão de acordo com Mieder (1977) que resume: "Os provérbios podem inclusive ter a função de cuidado, persuasão, admoestação, repreensão, depoimento, caracterização, explanação, descrição, justificação, resumo, etc, e é bem possível que um ou o mesmo provérbio tenha diferentes funções em diferentes contextos que seja empregado."

De um simples provérbio como o Defeito de amigo, lamento mas não castigo pode ser usado tanto como uma constatação, como justificação de uma atitude.

Uma segunda função abordada por Peter Grzybek está relacionada com o que os provérbios de uma determinada sociedade desempenham para o seu sistema de normas e valores. Estas funções podem ter por exemplo a função de entretenimento ou educacional; transformando em instrumentos para criar ou estabelecer certas normas sociais e comportamentais. Um provérbio africano diz: O filho mais velho e o pai são uma coisa só; e serve para exemplificar esta segunda de função.

Como terceira função, os provérbios podem ser usados não para uma situação interativa, mas para se referir a uma situação. Dois indivíduos podem lembrar de um ditado após conversarem sobre um fato ocorrido com terceiro(s). Nestes casos os provérbios funcionam como uma base para se fazer analogias entre os fatos ocorridos e o próprio provérbio: Eles são brancos, eles que se entendam...


Projetos que envolvem provérbios

Inúmeras são as iniciativas que utilizam os provérbios como objeto de estudo ou fonte de referência, seja para resgatar a linguagem de um povo ou aplicá-los do ponto de vista educacional e pedagógico.

O Serbian Proverbs Project é uma iniciativa baseada na Coleção de Provérbios Sérvios preparado pelo reformador da língua servo-croata contemporânea, Vuk Stefanovc Karadzic. Este livro foi reimpresso muitas vezes sem nenhuma alteração desde a sua primeira edição em 1835. Este material, bem como os demais trabalhos de Vuk, é considerado o ponto de partida e a principal fonte para a então denominada linguagem popular servo-croata. A editora Nolit de Belgrado e o Projeto Científico Text Processing, financiado pelo Ministério das Ciências da Sérvia, auxiliaram parcialmente a iniciativa ajudando na produção de edições atualizadas deste texto clássico. Um dos elementos deste projeto é a edição eletrônica baseada nas recomendações de TEI (http://www-tei.uic.edu/orgs/tei/app/se01.html) explicitando os códigos e estabelecendo ligações (links) com os elementos de texto que são indefinidos ou ocultos na edição tradicional. A edição eletrônica dos provérbios serão o referencial para estudos da gramática. (Krstev, 1998.)

A educadora Ana Vellasco trabalhou com os provérbios em seu projeto de Dissertação de Mestrado na UnB, e seu depoimento, por nós comentado, sobre a influência destas frases é significativo:

Em família, pois, aprendi a maioria das parêmias que hoje me vêm prontamente à memória e que integram, consistentemente, o meu léxico e as minhas estratégias conversacionais.

Os provérbios são elementos notáveis em todas as línguas, tanto no que tange às idéias que veiculam, como na originalidade da construção sintática e na articulação entre a forma e o conteúdo. Todos somos capazes de citar, de pronto, ao menos uma dúzia de provérbios. E, curiosamente, se nos perguntarem onde os aprendemos, a não ser que os tenhamos ouvido amiúde de alguém, dificilmente seremos capazes de responder. Mas todos sabemos em que ocasião empregá-los e que partido deles podemos tirar.

Por um lado, os provérbios dão-nos a sensação de que nos pertencem e que deles podemos fazer o que bem entendermos, vez que se tornam intimamente vinculados às nossas próprias experiências. Por outro lado, os provérbios são-nos impostos e obrigam-nos a entrar numa lógica que vem da sociedade, ultrapassando as nossas opções pessoais.

Neste sentido Messner (1969) recorda que "a sociedade possui um ser próprio, é independente dos indivíduos no seu agir; e o indivíduo, além de estar na total dependência dele para se desenvolver, tem que se subordinar ao seu querer."

Os provérbios amalgamam-se, associam-se às propriedades da sentença e do texto. Os provérbios ocorrem em grandes textos como (i) as conversações do dia-a-dia; (ii) editoriais de jornais; (iii) sermões, e eles mesmos ocorrem como textos completos neles mesmos, como, por exemplo, em grupos de slogans, em inscrições em edificações e em antologias, junto a outros dizeres.

Há várias justificativas para o estudo dos provérbios. A sua condição tradicional, a sua imagem rústica, a sua forma prosódica, o seu valor didático, a sua condição de elemento persuasivo. A origem, a história, a influência, o surgimento e o uso dos vários tipos de provérbios; a evolução da sua forma, a tradução dos provérbios de uma língua para a outra, a comparação de provérbios, as convenções literárias no uso dos provérbios, as coleções de provérbios, a bibliografia destas coleções, a coleção de materiais e a disponibilidade de fontes antigas, etcetera, são temáticas a serem exploradas, especialmente no Brasil.

Atualmente já podemos encontrar em nosso meio, estudos e traduções que podem demonstrar que este patrimônio está sendo continuamente resgatado. É o caso do Dicionário de sentenças Latinas e Gregas de Renzo Tosi, de 1996, e Provérbios e Educação Moral - a filosofia de Tomás de Aquino e a pedagogia árabe do mathal. de Luiz Jean Lauand, publicado em 1997.

Estudiosos de outras áreas que não a Lingüística, como antropólogos, sociólogos, folcloristas, comunicólogos, críticos e bibliógrafos têm-se interessado pelos provérbios, pois eles nos levam, muito diretamente, a estimar a validade de diferentes maneiras de expressão e a perceber idéias éticas, políticas, científicas ou estáticas, na história da humanidade.

A origem dos provérbios está, indubitavelmente, na sabedoria popular. Eles são parte do folclore dos povos, assim como as lendas, os mitos, as superstições e as canções, vez que traduzem conhecimentos e crenças. São uma manifestação do passado cristalizada no presente.

Em nosso meio, são também inúmeras as publicações contendo desde palavras de uso regional, inseridas ou não em poemas ou provérbios, até frases de efeito, máximas, ou provérbios populares. Dentre elas, podemos citar as seguintes: Máximas, pensamentos e reflexões do Marquês de Maricá, o Novo dicionário de termos e expressões populares de Tomé Cabral, e o livro intitulado Dicionário do dialeto caipiracicabano de Cecílio Elias Neto.

Sendo folclóricos, os provérbios são enunciados anônimos à exceção dos provérbios bíblicos, que se encontram no Livro dos Provérbios, no Antigo Testamento, assim chamados apesar de serem atribuídos ao Rei Salomão. São cultura eminentemente oral, transmitida boca-a-boca, de geração a geração, mesmo hoje em dia, quando a mídia tem papel preponderante na nossa sociedade. São fruto da experiência cotidiana individual ou grupal, de quem vivenciou determinadas verdades. (Cada cabeça, uma sentença; Tantas cabeças, tantas opiniões; So many men, so many minds; Autant des têtes, autant d'avis; Tantas cabezas/Tantos hombres, tantos pareceres/ opiniones; A cada cabeza, su seso; Tante teste, tante cervelle; Soviel Köpfe, soviel Sinne; Quot capita, tot sententiae.)

Ao pensarmos no provérbio, temos a idéia de que ele possui apenas um significado, mas ocorre-nos perguntar se há uma contra-ordem. E realmente há provérbios antagônicos, como Longe dos olhos, perto do coração, O que os olhos não vêem, o coração não sente; Rei morto, rei posto, Quem foi rei nunca perde a majestade; As roupas não fazem o homem, O alfaiate faz o homem, ou Boa aparência é carta de apresentação; Depois da tempestade vem a bonança, Um problema nunca vem sozinho ou Uma desgraça nunca vem sozinha; Nunca deixe para amanhã o que você pode fazer hoje, Amanhã é outro dia; Nunca é tarde para aprender, Cachorro velho não aprende novos truques, ou Boi velho não toma andadura; Quem cedo madruga acha o que comer, Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo; Ruim com ele, pior sem ele, Antes só do que mal acompanhado, e assim por diante. Portanto, entendo que na discussão os provérbios podem ser meras estratégias pelas quais alguém tenta persuadir outrem em direção a um argumento.

Pelos meus estudos, concluí que o provérbio é um enunciado anônimo. A característica precípua dos provérbios é o anonimato da sua autoria, excetuando-se os provérbios bíblicos. É lexicalizado, isto é, dicionarizado, parte do inventário da língua. É também sintaticamente autônomo, surge no discurso sob forma canônica, cristalizada, fixa, que não muda, congelada, petrificada. É discursivamente autônomo, a sua aparição independe de uma mudança conversacional. Considerado fora do discurso, o provérbio possui um valor de verdade geral. A metáfora é uma estratégia. O provérbio é uma estratégia para se lidar com uma situação.

Os provérbios deixam o falante fora do contexto. Invocando a tradição e a comunidade como um todo, o falante não apenas desaparece como um agente direto, mas impõe o peso das sanções sociais. O caráter tradicional dos provérbios está imbuído nos seus sentidos pré-concebidos com autoridade e empresta a sua força diretiva de significados interacionais, enquanto permite que o falante desapareça frente à opinião consensual geral.

Em consonância com o seu caráter didático e autoritário, os provérbios tendem a situar o falante numa posição superior ou vis-à-vis com o seu ouvinte. Ao citar um provérbio, o falante sinaliza com um significado interacional e, indubitavelmente, intenta funcionar como conselheiro ou professor do seu ouvinte. Se uma pessoa cita provérbios regularmente a alguém, assume, no relacionamento, a responsabilidade de uma condição superior à do ouvinte. Ninguém espera que uma criança cite provérbios aos seus avós, pais ou professores. Logo, com uma citação proverbial, um falante mostra que possui o direito de aconselhar e ou advertir o seu ouvinte ou que ao menos naquela relação está em condição de igualdade com o seu interlocutor ou, ainda, mesmo que momentaneamente, está em condição superior, pela posse da sabedoria tradicional.

As pessoas reagem de modo diferente ao escutar um ditado. Como a maioria aceita bem, há que se levar em conta que algumas associam os provérbios a situações indesejáveis. Um caso concreto ocorreu recentemente, onde uma pessoa me disse que não queria escutar nenhum ditado. O motivo, é que o seu pai terminava todas as conversas com um provérbio, mostrando assim a sua autoridade, e neste caso, confundido com autoritarismo.

Como outras formas do folclore, os provérbios são veículos para a comunicação pessoal. Segundo Luyten (1988) todo ato comunicativo é, na realidade, uma tentativa de alguém atuar sobre outro alguém, de procurar modificar algo na estrutura mental da pessoa que recebe a mensagem. Em cada elocução, pois, há uma intenção. Pais podem utilizar-se de provérbios para direcionar pensamentos e ações de seus filhos. Todavia, ao utilizar-se de um provérbio o imperativo paterno é externalizado e alguma coisa removida daquele pai individual. A responsabilidade do direcionamento da criança projeta-se no passado anônimo, no folclore. A criança sabe que o provérbio usado pelo pai, que ora a adverte, não foi criado por ele. O provérbio é proveniente do passado cultural, cuja voz da verdade fala em termos do que é tradicional à sociedade. O pai é apenas o instrumento pelo qual o provérbio lhe fala.

Conforme o comentário anterior, notamos que nem sempre as pessoas recebem bem um provérbio. Há dificuldade em muitas situações, pelo menos num primeiro momento, de diferenciar o que é "proveniente do passado cultural" da identidade do que adverte. Na realidade, o uso do provérbio é delicado, e se assemelha a uma correção, deve ser empregado com cuidado. Como se advertem as pessoas entre si? A sós ou em público? Existe motivo? Há real interesse em ajudar? Há algum vínculo, como por exemplo a amizade? Existe necessidade? Aqui também se aplicam os provérbios Defeito de amigo, lamento mas não castigo e Não se corta a pata do burro por um único coice. Talvez a grande maioria tenha os provérbios relacionados com parentes mais idosos, ou amigos cultos, pessoas estas que influenciam positivamente na recepção de idéias.

De acordo com Arewa & Dundes (1964), o poder impessoal dos provérbios é mais aparente no Fórum africano, onde os participantes de processos judiciais argúem com provérbios, pretendendo que os provérbios sirvam como precedentes passados para ações presentes. Nas cortes européias, assim como nas brasileiras, os advogados citam casos anteriores (jurisprudência) como suporte aos seus argumentos. No ritual legal africano, um advogado de uma causa usa provérbios para o mesmo propósito. Aqui, claramente, não é suficiente saber-se provérbios; é necessário ser um experto em aplicá-los a novas situações. Obviamente, a causa não será ganha por quem souber mais provérbios, mas por quem melhor souber aplicá-los.

Dentre os provérbios de origem africana, alguns podem confirmar a influência no estabelecimento de valores e normas, bem como da sua possível aplicação no foro jurídico: Mwana mukuru na ithe ni hamwe (O filho mais velho e o pai são uma coisa só - kikuyo); Mwana wa mberi (O filho primogênito é toda minha alegria - kikuyo); Kwa mwendwa gutiri kirima (No caminho para a casa do amado não se encontram montanhas - kikuyo); Heri kufa macho kuliko kufa moyo (É melhor perder a vista que a alma - kiswahili); Choru ndeilenuragha ni luembe Twake (Ao elefante, os marfins não lhe pesam - taita); Omwamwa salia namakosa tawe (Mais vale a mensagem que o mensageiro - luhya). Ainda sobre provérbios de origem africana, dentro do conceito lohmanniano (Fujikura & Meidani, 1995) de sistema língua - pensamento, Lauand (1994) analisa a universalidade filosófico-teológica dos provérbios.

A conseqüência do caráter tradicional dos provérbios é que uma pessoa em condição superior pode aconselhar como uma maneira de estabelecer um vínculo de respeito com uma pessoa que lhe está, naquele momento, hierarquicamente inferior, isto é, este laço pode ser como o de pais e filhos ou o de um professor e um estudante. E este momento corresponde ao momento didático do significado internacional dos provérbios.

Atinando-se à questão da utilização dos provérbios na língua, há, pois, duas funções importantes que a eles se podem atribuir, ambas ligadas ao discurso argumentativo. Uma delas, a mais comum, é a carga moral, com sentido didático. Usam-se os provérbios como, por exemplo, para aconselhar:

a) os filhos a irem para a cama: Deitar cedo e cedo erguer-se.;

b) a dieta à mesa: Come-se para viver; não se vive para comer.;

c) a prudência: Ame o seu vizinho, mas não derrube a sua cerca; Saber esperar é grande virtude; Quando evitamos as ocasiões, removemos as tentações; Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.;

d) a parcimônia: Quem tudo quer, tudo perde; Quando não se tem o que ser quer, é preciso querer-se o que se tem.;

e) a verdade: Mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo; O diabo tem uma capa que encobre e outra que descobre; A verdade é como o azeite, sempre vem à tona;

g) a economia: Poupa o seu vintém, que um dia você será alguém; Comprar a enforcados, vender a namorados, etcetera. Nesta função, o provérbio é essencialmente didático, utilizado para aconselhar uma atitude, para prevenir um mal.

Uma outra função, igualmente comum, é a do anteriormente mencionado argumento de autoridade. A argumentação - que deve repousar na coerência interna e objetiva dos argumentos - recorre muitas vezes a pressões afetivas, do tipo Se você não fizer, eu fico triste ou aos chamados argumentos de autoridade, como Faça, porque eu mando ou Faça, porque é assim que tem que ser feito. É neste último caso que os provérbios se tornam um valioso auxiliar a quem já não tem mais argumentos. E todos somos capazes de recordar situações em que assistimos - ou em que protagonizamos - discussões que terminaram com um provérbio de autoridade indiscutível:

A mão que dá o castigo, dá o pão.

Amanhã, a Deus pertence.

Cada cabeça uma sentença.

Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

Ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão.

Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Quem não tem competência, não se estabelece.

Respeito é bom e eu gosto.

Há que se frisar a importância dos provérbios e de outros atos de fala indireta - e aqui incluem-se os atos de fala indireta e os figurados - por permitirem que o falante disfarce os seus verdadeiros sentimentos. Ao falante eles representam um caminho de fuga e ao ouvinte oferecem opções e apontam para um consenso real ou imaginário. Mas os falantes também recorrem aos provérbios em situações de duplo sentido, como, por exemplo, quando são solicitados a tecer um julgamento sobre algo que pode vir a magoar alguém ou revelar as suas preferências íntimas. Assim, os falantes também se utilizam dos provérbios para evitar comprometimentos e refutações pessoais.

Nem todos os usos figurados são novos e criativos. Os provérbios, assim como outros itens do folclore e as expressões idiomáticas exemplificam o aspecto convencional e repetitivo dos usos figurados. Uma vez que a metáfora é uma estratégia, um provérbio é uma estratégia para lidar com uma situação.

Magalhães-Almeida (1986), em sua dissertação de mestrado, afirma que os provérbios possuem forma relativamente fixa, admitindo pouca ou nenhuma modificação, sintática ou léxica. O seu uso metafórico depreende-se na situação em que são usados. A finalidade deles é de resumir uma situação, retratá-la e dar-lhe uma essência ao se emitir um determinado julgamento. Exemplos:


(1) Pau que nasce torto, morre torto.


(2) É de pequenino que se torce o pepino.



(3) Pela árvore se conhece a semente.



(4) Filho de peixe, peixinho é.



(5) Quem não se enfeita por si só se enjeita.



(6) Mais vale um pássaro na mão que dois voando.



(7) Um dia é da caça, outro do caçador.


Nota-se a sinonímia nos provérbios: em 1, 2, 3 e 4 os usos proverbiais são similares.
Magalhães-Almeida (1986) ainda observa que, dada uma situação parti-cular de discurso, o provérbio constitui-se num julgamento particular do falante acerca de um evento especificado naquela situação. Deste modo, Mais vale um pássaro na mão que dois voando pode referir-se ao fato de ser melhor ter um emprego certo do que dois incertos, possuir-se pouco dinheiro ou jogá-lo na loteria esperando dobrá-lo, ou mesmo centuplicá-lo e perdê-lo etcetera. Mas, numa dada situação em que a referência foi fixada, esse provérbio será a síntese do julgamento pessoal do falante sobre algo ou alguém ou uma dada situação real do mundo exterior. Nesses termos, poder-se-ia pensar nos provérbios metafóricos como uma predicação referente a esse algo, alguém ou uma dada situação, apesar de não se ter mais o mesmo processo predicativo da lógica formal.

Mais vale um pássaro na mão que dois voando existe também na tradição árabe, e foi usado na França medieval. (Hanania, 1995) Além das interpretações convencionais deste provérbio, uma que escutei recentemente; dizia que este é o provérbio do preguiçoso, que prefere garantir o que já está garantido, em vez de ir a busca: dois é numericamente maior que um!

Tagnin (1989) alega que no nível semântico da convencionalidade as estruturas convencionais da língua são decodificadas pelo todo e não por suas partes, o que quer dizer que o seu significado foi convencionalizado pela sociedade. Assim, diz-se que uma forma lingüística foi convencionalizada quando uma expressão passou a ter um significado diferente dos seus constituintes. São expressões fixas, cristalizadas e consagradas pelo uso, empregadas dentro de um determinado contexto, importantes no aprendizado de qualquer língua.

Na língua inglesa, existe uma expressão popular que diz You are a chip of the old block, quando o filho é parecido com o pai. Ao comentar esta frase com um norte-americano, ele entendeu You are a sheep of the old flock. Depois deste episódio, lembrei-me da frase de Peter Drucker, que o verdadeiro comunicador é o receptor.

Na maioria das vezes nossas conversas seguem caminhos já trilhados, carecem de conteúdo, desenvolvendo-se de acordo com padrões pré-moldados de pensamento e de expressão verbal. Fazem com que a nossa comunicação flua com mais facilidade e eficiência, pois evita que a todo momento tenhamos que ser criativos. Do mesmo modo, isto vale para o ouvinte, que não teria condições de estar constantemente decodificando o interlocutor. Não obstante, este tipo de expressão costuma ser chamado, pejorativamente, de frase feita, pois as fórmulas situacionais vêm em nosso socorro nos momentos em que não sabemos o que dizer. Todos já passamos por uma situação similar à: - Como é que se diz, filhinha?, - Obrigada, vovó. As primeiras aulas de fórmulas situacionais foram-nos dadas por nossos pais. As estruturas que podem expressar polidez ou distanciamento são fórmulas em que a estrutura é fixa, mas a parte léxica é variável; expressam padrões comportamentais convencionados socialmente. Fórmulas de distanciamento são fórmulas empregadas quando o falante (i) não deseja parecer muito direto; (ii) faz sugestões sob a forma de pergunta; (iii) visa a amenizar o impacto de uma afirmação muito categórica, e (vi) a suavizar opiniões. Há, todavia, fórmulas fixas, classe esta que engloba expressões fixas, petrificadas na língua, que são proferidas a título de comentários em um determinado contexto. Podem ser as expressões idiomáticas, as frases feitas, as fábulas, as citações e os provérbios.

Os provérbios podem ocorrer como textos por si mesmos e não apenas em textos amplos. Além de serem antologizados como pequenos e discretos textos, os provérbios ocorrem como textos completos, como nos slogans e inscrições em edificações, acompanhando figuras em cartoons, propagandas, etcetera. Em cada um desses ambientes um provérbio possui uma significação textual interacional e semiótica limitada pela gravura e ou por outras características do contexto, mas o significado literal como texto predomina na maioria dos casos, preservando-se a descrição correta do seu significado.

Os provérbios neste sentido, podem ser utilizados pelo professor de língua portuguesa em sala de aula, para iniciar os alunos a raciocinarem sobre um determinado assunto. Seria uma alternativa substitutiva dos textos ou parágrafos de livros, que obrigam sempre a explicar o contexto do todo, para finalmente se chegar a uma conclusão. Os provérbios tem a vantagem de serem compostos por poucas palavras, e sobre um assunto que costuma dizer algo diretamente ao que é próprio da humanidade.

A predominância do significado integral do texto do provérbio, em contextos como os supracitados, também justifica o estudo dos provérbios como textos. Mesmo quando o provérbio ocorre como parte integral de um discurso amplo ou um texto escrito, a independência do seu significado tem um importante papel na determinação da sua contribuição semântica no texto como um todo. Assim, o estudo dos provérbios como texto está preliminarmente justificado ou é um passo em direção à análise dos provérbios em textos e interações. Como dizia a minha avó... Como dizia o meu avô... Como dizia o meu pai... Como diz o provérbio... Como diz o ditado..." (Velasco, 1996)

Cervantes certa vez se referiu aos provérbios, como "Short sentences drawn from long experience." Motivados por este princípio, The International Orillas Proverbs Project adotaram uma filosofia de trabalho utilizando o folclore como tema central nas aulas de internet. Os professores envolvidos com o projeto concluíram que os provérbios são um veículo excelente para os estudantes compartilharem a cultura e adquirirem conhecimento. Os provérbios são universais; as famílias dos estudantes se envolvem, encorajando a tradição oral; as crianças de famílias imigrantes podem construir uma ligação entre elas e a cultura dos provérbios de seus antepassados; a análise dos provérbios encoraja as discussões, o pensamento crítico e a apreciação da cultura; os estudantes que aprendem línguas estrangeiras, aprendem também a sua cultura ao memorizar os provérbios; as crianças podem participar da troca de provérbios, pois os textos são pequenos; a leitura dos provérbios estimula a escrita de textos maiores, seja pela emissão de uma opinião ou pela adaptação de uma fábula; a organização dos provérbios por temas pode se transformar numa excelente base de dados para facilitar uma comparação dos valores culturais; e a sugestão de se fazer uma coleção de provérbios é um estímulo, que mesmo que seja discreto, sempre terá um produto final concreto. (De Orilla a Orilla, 1996)

Existem com certezas inúmeros outros projetos envolvendo provérbios em educação ou em outros setores onde os seres humanos queiram resgatar algo. Mas sempre fica a pergunta: - Que tipo de resgate é este?! E a resposta já foi feita em parte pelos vários pesquisadores citados neste estudo. Höffner (1983) porém, organiza em número de dez, as características da personalidade humana, e sobre este tópico é que serão feitas as considerações finais.

O que é especifico da personalidade do homem

Quem é o homem? O que é a humanidade? O que é característico a todos os seres humanos de todos os tempos e épocas? O que há de comum em todos os seres desta espécie? Höffner (1983) ao descrever dez características da personalidade humana, nos convida a uma reflexão positiva do que realmente somos e da nossa realidade.

O estagirita nos lembra que "Por natureza, todos os homens aspiram o saber." Os homens se maravilham com o todo, e perguntam a si mesmos: por quê existe tudo isso, de onde veio, qual a razão de ser? Por quê eu existo? E são dúvidas que seguirão existindo mesmo após o triunfo das ciências particulares atuais. Pois nenhuma ciência particular foi feita para responder senão a partes e não o sentido do todo. Segundo Aristóteles, se referindo a filosofia, "Todas as outras ciências podem ser mais necessárias do que esta, mas nenhuma será superior." Portanto,
que nenhum ser humano espere respostas vitais estudando ciências particulares.
A humildade é a verdade, somos o que somos, nem mais nem menos. Mudamos, no acidental, mas não no essencial. Nossa personalidade dentro da humanidade, mantém pontos de referência; conhecê-los só tende a simplificar nossa vida. Algo semelhante ocorre ao conhecermos as características de um carro, uma máquina, e tantas outras realidades. O saber o que as coisas são, não gera angústias e expectativas, conflitos e desânimos.

Parece que muitas das preocupações dos seres humanos, são como algumas doenças; existem só na nossa imaginação. Nos fazem perder um tempo enorme, e não conduzem a um amadurecimento. Talvez, ler estas considerações, nos ajudem a não encontrar problemas nos homens, naquilo que é simplesmente uma característica.
A inclusão de provérbios em cada um dos tópicos, confirma a tese proposta neste estudo.

1 - Participação - Com a razão aperfeiçoada pela sabedoria, o homem transcende o
mundo das coisas, descobre seu Criador e participa do mundo.

Cada um faz o que pode.


Estamos todos na mesma canoa.



O dinheiro não faz a felicidade de ninguém.



Responda o mal com o bem.



A ira é uma breve loucura.



Na realidade só uma coisa é necessária.



Creio para compreender, não compreendo para crer.



A fórmula da felicidade é não viver do passado, nem do futuro, mas viver do

presente.


A honra é como o vidro, quebrando, não solda mais.



A verdade é como o azeite, mais cedo ou mais tarde vem à tona.



A vida é uma escola, enquanto vivemos, aprendemos.



Alguém sempre precisa de alguém.



Hora a hora, Deus melhora.


2 - Unicidade - Composto de alma e corpo, cada ser humano é ele mesmo,
separado de qualquer outro ser, jamais repetido e irrepetível, nasce original,
embora muitas vezes termine como uma cópia.

Cada cabeça, uma sentença.


Quem estuda, aprende.



Quem não se enfeita, por si se enjeita.



São unha e carne.



Seu dia há de chegar.



Tantas opiniões, quantas cabeças.



Cada um conhece a sua casa.



A gente é que sabe onde o sapato aperta.



Filho de peixe, peixinho é.



A lã não pesa pra ovelha e a barba não pesa pro bode.



A pessoa é grande quando respeita os pequenos.



Amigo que fala verdade é espelho da alma.



Cada formiga tem sua ira.



Cada louco com a sua mania.



Cada macaco no seu galho.



Cada mosca faz a sua sombra.



Cada um por si, Deus por todos.



Coruja cava o toco.



Mais vale ler um homem que cem livros.



Não há rosas sem espinhos.



Os homens não se medem com metro.



3 - Autonomia - Somos um todo somático-espiritual. Subsistimos em nós mesmos.

Não somos parte de um todo como a mão é parte do corpo.


Confundir alhos com bugalhos.



Há males que vem para bem.



Quanto mais se vive, mais se aprende.



Tem os olhos vermelhos de chorar.



Tenho um péssimo mestre em mim mesmo.



A esperança só morre junto com a gente.



A má ação fica feia pra quem a faz, não pra a quem recebe.



Abelha atarefada não tem tempo pra tristezas.



4 - Protagonismo - Somos sujeitos do nosso pensar, agir e omitir. Nossos atos assumem um caráter irrevogável do nosso eu. Podemos arrepender-nos, mas não nos desfazer nossos atos.


Águas passadas não movem moinhos.



Quem planta vento, colhe tempestade.



O feitiço virou contra o feiticeiro.



Pôs a carapuça na cabeça.



Quem tem telhado de vidro, não joga pedra no vizinho.



Que culpa tem a cascavel de ter veneno?



Quem a dois senhores quer servir, a um há de mentir.



A intenção faz a ação



A noite é boa conselheira.



Cana na fazenda dá pinga; pinga na cidade dá cana.



Melhor sofrer o mal que fazer.



Não se pode pegar o que passou.




5 - Liberdade - Nossa vontade pode decidir diante das possibilidades sem ser coagida. Sem liberdade pessoal e responsabilidade ética é impossível entender a culpa/expiação; recompensa/castigo; arrependimento/reparação.


Dar o passo maior que a perna.



Guerra provoca mais guerra.



Macaco que muito pula quer chumbo.



Colocou o carro na frente dos bois.



Nem tudo que reluz é ouro.



Nessa canoa eu não entro.



O filho pródigo à casa volta.



Percam-se os anéis, mas não se percam os dedos.



Quem diz o que quer, escuta o que não quer.



Quem não arrisca, não petisca.



Cedo deitar e cedo erguer, dá saúde e faz crescer.



Direito tem quem direito anda.



Não se troca o certo pelo duvidoso.



Quem não quer ser aconselhado, não pode ser ajudado.



6 - Responsabilidade - A opção é responsável, e isto implica em risco. Daí resulta a identidade liberdade-responsabilidade-risco.


Antes só do que mal acompanhado.



Atirou no que viu, matou o que não viu.



Meteu os pés pelas mãos.



Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje.



Ninguém vive só de esperanças.



A economia é a base da porcaria.



A economia é a base da prosperidade.



O exemplo deve vir de cima.



O olho do dono engorda o boi.



Pimenta na boca dos outros não arde.



Quem dá o que tem, a pedir vem.



Quem tem filhos, tem cadilhos (cuidados).



Anda direito se queres respeito.



Deus dá farinha, mas não amassa o pão.



Em Roma, como os romanos.



Escreveu não leu o pau comeu.



Primeiro a obrigação, depois a diversão.



Se atravessa o rio onde é mais raso.




7 - Consciência - Embora livre, o homem sente a norma que foi dada, que principalmente clama o "deves" - "não deves" - nos casos de conflito. Se não se cuida, pode a consciência tornar cega e acostumar se ao erro.


A justiça tarda mas não falha.



Antes tarde do que nunca.



Levou um puxão de orelhas.



Mais depressa se apanha um mentiroso.



Mentira tem pernas curtas.



O pudor proíbe coisas, que a lei não proíbe.



Quem não deve não teme.



Recordar é viver.



Tirou um peso da minha consciência.



Antes cautela, que arrependimento.



8 - Silêncio - Ou solidão. O homem pode ficar consigo mesmo pela liberdade, responsabilidade e consciência. A caricatura do silêncio é o isolamento, fuga de si mesmo, rumo ao ruído e ao tumulto dos prazeres.


Boa romaria faz, quem em sua casa fica em paz.



Olha..., boca de siri.



É uma grande virtude saber falar e saber calar no momento certo.



Em boca fechada não entra mosca.



Está com tudo, mas não está prosa.



O peixe morre pela boca.



Quem muito fala, muito erra.



Sou todo ouvidos.



Muito falar é pouco acertar.



Se as palavras convencem, os exemplos arrastam.



Se os gritos resolvessem, porco não morreria.



Antes de falar, conte até dez.



Boca calada é remédio.



Boca de ambicioso só se enche com terra de sepultura.



Boca fechada é um botão, aberta é um mundão.



Boca que fala, não mastiga.



Bom é saber calar, até o tempo de falar.



Bom ouvinte, bom conselheiro.



Cabeça vazia é oficina do diabo.



Dobre a língua sete vezes, antes de falar.



Quem cala colhe, quem fala semeia.



Quem cala, consente.



Quem cala, não quer barulho.



Quem cala, nem sempre consente.



Quem cala, vence.



Quem dá bom exemplo, dá bom conselho.



Para ouvir é necessário calar-se.


O silêncio já diz muito




9 - Provisoriedade - O homem sabe que sua vida é limitada. Não tem culpa de existir e é um ser condenado à morte. Por grandes e úteis que sejam, todos os avanços da técnica e da ciência soam quase como piada diante da morte.


A história é a mestra da vida.



Assim passa a glória do mundo.



Enquanto há vida, há esperança.



Espera jacaré, a lagoa há de secar.



Hoje eu, amanhã você.



Agora Inês é morta.



Já vai tarde.



Lembra-se de é pó e voltará a ser pó.



Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.



O que não tem remédio, remediado está.



Cada coisa a seu tempo.



Com a morte, só Deus pode.



Contra a morte, não há remédio.



Há homens que se sucedem, mas que não se substituem.



Hoje na nossa figura, amanhã na sepultura.



Mais vale experiência que ciência.



Morte certa, hora incerta.



10 - Religião - Ao observar o mundo, o homem vê-se como criatura chamado ao diálogo e relação com o seu Pai Deus.


O homem propõe e Deus dispõe.



Dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.



Amor com amor se paga.



Deus escreve certo por linhas tortas.



Deus dá o frio conforme o cobertor.



Longe dos olhos, longe do coração.



Mais vale quem Deus ajuda, do quem cedo madruga.



O futuro a Deus pertence.



Só a Deus compete julgar.



Deus ajuda quem se ajuda.



Ajuda-te e o céu te ajudará.



Errar é humano, perdoar é divino.



Há males que vêm pra bem.



O destino a Deus pertence.



O pouco com Deus é muito, o muito sem Deus é nada.



O que se leva desta vida, é a vida que a gente leva.



Pra Deus, nada é impossível.



Só Deus sabe.


Não sou dono do mundo, mas sou filho do Dono.


Como toda classificação, esta também é incompleta. O homem é um sistema aberto, e sua natureza é dotada de liberdade, o que o faz ímpar na criação. As diferentes maneiras de interpretar os provérbios, mostram esta capacidade humana, de livremente captar os valores neles contidos.
É lugar comum entre os poetas, afirmar que tem a mesma criatividade quem lê e quem escreve. Esta idéia é um convite dos escritores a todos, que ao lerem os ditados, procurem resgatar, lembrar, ou pelo menos refletir sobre o que é universal e perene. Os ditados e provérbios no sistema social pode ser comparado ao sal, não combina com todos os pratos. Cada um deve ser usado de acordo com o processo temporal de cada classe, sociedade ou pessoa em concreto, para
mostrar o paradoxo que existe em cada um de nós: o axiotrópico e o miserável.

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Obstáculos à liberdade na América Latina

por Heitor De Paola em 09 de dezembro de 2006

Resumo: As diferenças cruciais entre as revoluções Francesa e Americana residem nestes dois pontos: a importância da liberdade individual e a delimitação do poder dos governantes.

“Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é
permitido, mas não me deixarei escravizar por coisa alguma".
São Paulo - Primeira Epístola aos Coríntios - (1 Cor. 6, 12)

“Nada é mais rico em privilégios do que a arte de ser livre;
mas nada é mais árduo que o aprendizado da liberdade”.
Alexis de Tocqueville

A liberdade individual é uma conquista relativamente recente da Humanidade e corre o risco de ser uma experiência efêmera, tantos são os óbices que se acumulam contra sua universalização. Mesmo nas sociedades em que ela existe em maior grau a tentação totalitária está sempre presente, fazendo com que seja permanentemente atual a advertência de Thomas Jefferson “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. É de sua lavra também a frase “Jurei, no altar de Deus, eterna hostilidade contra todas as formas de tirania sobre a mente humana”. Conhecido como o “membro silencioso” do Congresso Continental, Jefferson falou através de sua pena, rascunhando a Declaração de Independência aprovada quase sem emendas em 4 de julho de 1776, onde pela primeira vez declarava-se que “Acreditamos serem verdades evidentes por si mesmas que todos os homens nascem iguais; que são dotados pelo Criador com alguns direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

Tomava corpo a institucionalização das condições políticas para que o homem pudesse exercer a liberdade interior preconizada por São Paulo na Epístola em epígrafe. A procura de um regime político que permita a grandeza de escolhermos nosso próprio destino, baseados unicamente na nossa consciência, é muito antiga. Começa pela tradição bíblica do livre arbítrio, passa pela busca incessante de Sócrates e seus discípulos e pela pregação cristã, e se espraia pela tradição anglo-saxônica. Quando os barões e os prelados ingleses extraíram quase a fórceps, em 15 de junho de 1215, a Magna Carta do Rei João Sem Terra, não imaginavam que, pensando apenas em si mesmos e nos seus interesses imediatos, estavam estabelecendo as bases dos modernos Parlamentos e daquele Congresso Continental mil e quinhentos anos mais tarde em que Jefferson se pronunciaria.

Documento infelizmente pouco conhecido na atualidade, a Magna Carta foi a primeira tentativa anglo-saxônica de limitar o poder de um tirano mediante o império da lei. Foi responsável, entre outras coisas, pelo estabelecimento do que hoje se chama devido processo legal (due process of law) ao estatuir na sua cláusula 39 que: “Nenhum homem livre será preso, encarcerado, despojado de seus bens, colocado fora da lei, banido, ou ferido de qualquer maneira – nem o perseguiremos ou faremos perseguir – a não ser pelo julgamento legal de seus pares ou pela lei da terra”. Igualmente estabeleceu pela primeira vez o direito de livre comércio. A cláusula 41 rezava: “Todos os mercadores poderão, de maneira certa e segura, sair ou entrar da Inglaterra e aqui permanecer, ou por aqui passar, tanto por terra como por água, para comprar ou vender sem que lhes sejam cobrados impostos odiosos (evil taxes) (...)”. Na mesma cláusula ainda defende o princípio da reciprocidade diplomática e da simetria em caso de guerra: “(...) deverá ser do nosso conhecimento, ou de nossos magistrados, como nossos mercadores que estiverem em terras em guerra conosco serão tratados. Se os nossos estiverem a salvo lá, os de lá estarão a salvo em nossas terras”. (A moderna guerra assimétrica é justamente o oposto do disposto nesta cláusula).

Também inaugurou o direito inalienável de livre trânsito, hoje negado em várias “democracias”. Na cláusula 42 estabeleceu que: “A partir de hoje qualquer pessoa, salvo por crime de deslealdade, pode sair do nosso reino e a ele retornar, são e salvo, por terra ou água, exceto talvez por breves períodos em tempo de guerra, e os prisioneiros e foras da lei, para o bem comum do reino (...)”.

Outra lição que se pode tirar da história deste documento, fundamental para o individualismo, é que interesses à primeira vista exclusivamente egoístas revelam-se ao longo do tempo benéficos para o assim chamado bem comum. Desde que os indivíduos sejam deixados em paz e fora das garras dos “engenheiros sociais”, os quais pensam que conhecem melhor que os indivíduos livres, o melhor para o “bem comum”, agora chamado “social”. Se os barões e prelados não tivessem lutado em causa própria não gozaríamos hoje os benefícios de suas exigências. Hoje, os barões e prelados são exatamente os “engenheiros sociais” que também atuam exclusivamente em causa própria, para aumentar o seu poder, mas alegam ser os representantes das causas da sociedade como um todo. Não se fazem mais barões e prelados como na Idade Média!

As diferenças cruciais entre as revoluções Francesa e Americana residem nestes dois pontos: a importância da liberdade individual e a delimitação do poder dos governantes. Enquanto na primeira simplesmente se substituiu um tirano coroado pela tirania da maioria, gerando governantes jacobinos ainda mais tirânicos, na segunda o tirano foi substituído pela Carta dos Direitos e pela limitação do poder dos governantes, isto é, pelo Império da Lei e não dos homens. Todo o texto enxuto e claro da Constituição Americana é uma seqüência de limitações do poder dos governantes sobre os governados. Na verdade, a Constituição se refere sempre a estas limitações, obrigando o respeito a elas por parte do governo; os indivíduos e as entidades privadas não estão a elas obrigados. É o reinado do individualismo, da liberdade do homem embora limitada pelos valores cristãos. Ama teu próximo como a ti mesmo, é o que coloca os limites do “nem tudo convém”, diferenciando-o do simples egoísmo que não leva os demais em consideração.

Esta liberdade individual inclui as liberdades de querer, optar, pensar, falar, escrever, opinar e publicar. De trabalhar em qualquer ocupação à sua escolha, de ter posses e dispor livremente delas, sem constrangimentos, inclusive testar, de escolher seu cônjuge livremente e assim criar seus filhos educando-os dentro dos seus princípios. Liberdade de consciência e de culto, de estabelecer-se onde melhor lhe pareça, sair ou entrar livremente de seu país. De definir seu próprio conceito de existência, de sentido da vida e do universo. Toda a cooperação do governo deveria ser no sentido de assegurar e defender estas garantias protetoras da vida, das pessoas e da propriedade privada.

Não foi outra coisa que levou o Ocidente, principalmente os Estados Unidos da América e a Inglaterra, ao impressionante surto de descobertas e invenções do final do século XIX e início do XX. Na esteira da Revolução Industrial que datava já de um século, houve um incremento monumental do acúmulo de capital que permitiu uma imensa expansão em todos os setores da economia. Certamente o fim da Guerra Civil Americana e a expansão para o Oeste levada a efeito por indivíduos livres, cada vez mais distantes dos centros do poder, tiveram um papel relevante na evolução do próprio conceito de liberdade. Nem mesmo na época dos Grandes Descobrimentos ocorreu esta evolução, pois ou eram projetos estatais ou dependeram enormemente da mão gorda do Estado. Vasco da Gama, Colombo, Cortez e Cabral estavam mais para funcionários da Coroa do que para campeões da liberdade. Muito diferente foi a Conquista do Oeste Americano realizada sob a égide de homens livres que corriam para ganhar suas vidas e de suas famílias e a tudo estavam dispostos para defender o que iam conquistando. Remember the Alamo, Davy Crocket, Sam Houston, Stephen Austin, Lewis & Clark. Por que não “Doc” Holiday e Wyatt Earp e seus irmãos? Foi o espírito dos cowboys, da liberdade das pradarias - tão desprezados pelos intelectuais de gabinete que não se arriscam nem em ir até a esquina - que constituiu a saga formadora dos Estados Unidos da América.

Armando Ribas coloca a questão em seus devidos termos: “Onde estaríamos se os cowboys não tivessem ganho dos Sioux, Apaches, Comanches e outros? Poderíamos pensar que os caçadores de búfalos que dançam com lobos seriam capazes de destronar o Kaiser, vencer a Hitler, Mussolini e Hiroíto, e conter o Império Soviético e a China de Mao? Certamente não; a vitória nesta luta pela liberdade que se iniciara em Filadélfia foi e seguirá sendo a dos cowboys que acreditaram nos direitos individuais e lutaram por eles, e não dos que chegaram ao Terceiro Milênio pela mão da Razão do Estado, sublimada pelo voto universal na Social Democracia” (Entre Cowboys y Jacobinos).

A TRISTE HISTÓRIA DA LIBERDADE DA AMÉRICA LATINA

Os Founding Fathers antes de chegarem ao texto constitucional discutiram longamente as relações entre liberdade, justiça, democracia e o significado da expressão todos os homens nascem iguais. Os Federalist Papers são uma mostra eloqüente desta discussão. Isto nunca ocorreu na Europa e, conseqüentemente, no nosso Continente. Herdamos de forma crua os princípios igualitários da democracia franco-germânica e, inevitavelmente, herdamos também a propensão européia às tiranias. Ironicamente, a obra mais conhecida de Hayek não se aplica aqui: não estamos e nunca estivemos no Caminho da Servidão; vivemos nela desde sempre e o que necessitamos é descobrir um Caminho para a Liberdade! A servidão nos foi transferida in natura das metrópoles ibéricas, plenamente exercidas durante o período colonial e nossas independências foram feitas por homens que nada sabiam da verdadeira liberdade por terem sido criados na Espanha ou Portugal onde a tirania era a tônica. A independência dos países não resultou em liberdade para seus povos. Já nascemos como prisioneiros que só conhecem os limites da sua cela e nem podem imaginar como o mundo pode ser fora dela.

Juan Bautista Alberdi (1810-1884), conhecido como o “Pai da Constituição Argentina” de 1853, a única Constituição liberal que a ibero-mérica conheceu em toda sua história, deixa claro que “A liberdade da Pátria é a independência com relação a todo país estrangeiro. A liberdade do homem é a independência do indivíduo com relação ao governo de seu país. A liberdade da Pátria é compatível com a maior tirania e ambas podem co-existir num mesmo país. A liberdade do indivíduo deixa de existir pelo próprio fato da Pátria assumir a onipotência do país” (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). “Esta verdade tem sua confirmação cabal no exemplo que nos oferecem os próprios Generais tidos como ‘Libertadores da América’. (...) Não bem concluída a guerra contra a Espanha, Bolívar e San Martín se colocaram à testa de movimentos da política interior com o objetivo de fundar pela espada a liberdade doméstica (...). O fracasso não tardou em mostrar-lhes seu erro (...)” (Peregrinación de Luz del Dia o Viajes y Aventuras de la Verdad en el Nuevo Mundo).

Neste caso o Brasil também está em pior situação que nossos vizinhos. Nossa “independência” não passou de uma pantomima: foi proclamada por um Príncipe português de caráter duvidoso, cujos principais interesses eram os bordéis e reinar em Portugal, a mando d’El Rei, seu pai que o recomendou colocar a coroa na sua cabeça “antes que um aventureiro brasileiro o faça”. A diferença com George Washington é deprimente: logo após o fim da Guerra de Independência o Coronel Lewis Nicola escreveu a Washington, como representante dos oficiais descontentes com o tratamento que lhes dispensava o Congresso, sugerindo que ele se tornasse Rei, pois contaria para isto com o apoio da maioria das “pessoas com vantagens materiais” do país. Sua resposta indignada foi peremptória: “Não sei qual conduta de minha parte pode ter encorajado esta sugestão, pois os senhores não podiam ter encontrado alguém para quem tais esquemas sejam mais desagradáveis e repugnantes”. E acrescentou: “Se os senhores têm alguma consideração por si mesmos ou sua posteridade, ou respeito por mim, devem banir estes pensamentos de suas mentes e nunca comunicar, direta ou indiretamente a ninguém, um sentimento desta natureza”. (George Washington: A Brief Biography, Mount Vernon Ladies’ Association of the Union)

É ainda Alberdi quem o diz: “O despotismo e a tirania freqüentes nos países da América, não residem no tirano nem no déspota mas na máquina ou construção mecânica do Estado, pela qual todo o poder de seus indivíduos, refundido e condensado, cede em proveito de seu governo e cai em mãos de sua instituição. O déspota e o tirano são o efeito e o resultado, não a causa, da onipotência dos meios e forças econômicas do país, colocadas na posse do estabelecimento de seu governo e do círculo pessoal que personifica o Estado pela maquinaria do próprio Estado”. “Nos Países Anglo-Saxônicos (Estados Unidos e Inglaterra) liberdade nunca significou independência de uma potência estrangeira, mas independência de cada indivíduo em relação ao Governo da Nação (...) A liberdade da Nação tem como limite sagrado a liberdade individual”. (A Onipotência do Estado..., op. cit).

A natureza do que é chamado de democracia no nosso Continente não inclui a noção de liberdade individual. A maioria possui uma visão populista da relação entre Estado e Sociedade. As pessoas esperam que o Estado resolva seus problemas básicos: emprego, moradia, comida, saúde, educação e aposentadoria o mais cedo possível. Estes fatores são descritos em nossas Constituições como “direitos dos cidadãos”. A Constituição Brasileira de 1988 – a “Constituição-cidadã” – chega a prever absurdos como a taxa máxima de juros – que, se fosse respeitada impediria todas as transações econômicas do país – e a ridícula cláusula que define saúde como “direito de todos e obrigação do Estado”! Numa sociedade que respeita seriamente sua Constituição, qualquer indivíduo poderia acionar juridicamente o Governo por um reles resfriado!

Mas é aí que está o ponto: enquanto os anglo-saxões fazem constituições enxutas para serem obedecidas principalmente pelos governantes – a da Inglaterra nem tem uma redação unificada mas leis esparsas somadas ao direito consuetudinário –, nós herdamos o furor de regulamentação das monarquias ibéricas produzindo Constituições intermináveis onde todos os detalhes das vidas dos cidadãos são previstos. Faltou prever alguma coisa? Providencia-se uma lei ou emenda para incluí-la. Nenhuma profissão pode deixar de ser regulamentada, nos moldes das guildas medievais, nos mínimos detalhes. É decepcionante que os próprios cidadãos peçam para ser regulamentados porque acreditam que assim estarão protegidos, e não se dão conta de que, de regulamentação em regulamentação, tornam cada vez mais forte o Estado e mais fracos os indivíduos! Como conseqüência, os movimentos contrários à liberdade e à propriedade privada se aproveitam exatamente do regime democrático para assumir o poder e liquidar o próprio sistema que os elegeu. É de se notar a sutil modificação introduzida no Estado de Direito: ao acrescentar a palavra Democrático, liquida-se com o próprio Estado de Direito e coloca-se em seu lugar a tirania das maiorias e o aniquilamento progressivo das minorias. Jamais passou pela cabeça dos framers da Constituição Americana ou dos legisladores britânicos a expressão democratic rule of law mas apenas rule of law, sem adjetivos.

HÁ ESPERANÇA?

O meu otimismo me obriga a pensar que sim, embora o exame da realidade me leve a crer que não, pois cada vez mais nos enterramos na tirania e a perspectiva é de que passemos da cela às masmorras. A população cada vez mais exige direitos inconquistáveis e os governantes prometem cada vez mais sabendo plenamente que são promessas vãs. Tinha plena razão Alexander Tyler quando dizia que “[a democracia] Só pode existir até que os eleitores descubram que podem votar por mais dinheiro do tesouro público para si mesmos. Deste momento em diante a maioria sempre votará nos candidatos que prometem a distribuição de mais dinheiro do tesouro público, tendo como resultado que uma democracia sempre acaba em razão de políticas fiscais frouxas, liberais e irresponsáveis, e são seguidas por uma ditadura”.

Os candidatos sabem que as promessas não poderão ser cumpridas mas as fazem porque seu objetivo é bem outro: provar que o regime democrático não funciona e que é preciso cada vez mais restringir as liberdades individuais para o “bem social” – na verdade para o bem deles mesmos. Atacam as liberdades mais invejadas e cobiçadas, a da propriedade privada e a da individualidade, pois sabem que contarão com o apoio dos que nada ou pouco possuem e dos que são incapazes de exercer plenamente sua individualidade.

A primeira é “a fonte mais comum e duradoura da formação de partidos (fractions). Aqueles que possuem e aqueles que não possuem propriedades sempre formam distintos interesses na sociedade”. (James Madison, The Federalist n 10). O que os invejosos não desconfiam é que, depois desta, todas as demais liberdades virão de roldão, inclusive as suas.

Já a espontaneidade individual não faz parte “do ideal da maioria dos reformadores sociais e morais mas, pelo contrário, é olhada ciumentamente como um problema e talvez como uma obstrução rebelde à aceitação geral dos que estes reformadores, em seu próprio julgamento, pensam ser o melhor para a humanidade”. (John Stuart Mill, On Liberty)

É claro que a ânsia de liberdade existe nos nossos povos como em quaisquer outros mas para isto seria necessário abandonar esses falsos “privilégios” e aí entram as dificuldades em aprender a ser livre: é, como dizia Tocqueville, um trabalho árduo, mas que deve ser começado antes que não haja mais tempo. O Seminário que me coube organizar e coordenar, sob a inspiração de Armando Ribas, é uma primeira tentativa: reunir intelectuais para, tal como na Argentina da década de 30 do século XIX, em condições muito semelhantes às atuais, “refletir como deve ser a república (...) a geração de 1837 atuou para dar vida à Constituição, às instituições republicanas e as formas de vida de uma sociedade moderna”, como nos diz na apresentação de seu livro Los Fundadores de la Republica, outro participante do Seminário, Ricardo López Göttig.

Mas esta é a mais assimétrica das batalhas, já que os defensores da liberdade são ciosos do que defendem e lutam como indivíduos, enquanto os inimigos coletivistas da liberdade lutam como um exército de formigas obedecendo a ordens pavlovianas.

FALA! Michelangelo Antonioni


PRÓLOGO
Michelangelo Antonioni

"O que quis dizer?" É a pergunta que me fazem com mais freqüência. Sinto-me tentado a responder: quis fazer um filme e nada mais. Mas se querem saber porque eu o fiz, o que pensava enquanto o realizava, o que quis dizer; caso pretendam que eu liste mil razões e explique o que é quase impossível de explicar, como ocorrem certos impulsos ou intuições ou escolhas morais e
figurativas, correm o perigo de chegar a este resultado: a deformação do próprio filme.

Não creio que o que um diretor de cinema diga de si mesmo ou de sua obra ajude a compreendê-la. Quando Manzoni fala da novela histórica, não acrescenta nada ao que foi dito em "Os Noivos". O caminho que um diretor de cinema percorre para realizar um filme está cheio de erros, dúvidas, defeitos; por isso, a coisa menos natural que se pode pedir a ele é que fale
de sua obra. No que diz respeito a mim, por um certo conhecimento que tenho de mim mesmo, minhas palavras servirão, em todo caso, para descrever um estado de ânimo particular, uma vaga consciência. Em uma palavra: diante dessa pergunta, preferiria responder: aconteciam tais coisas naquele período, via tais pessoas, lia tais livros, contemplava tais quadros, amava
X, odiava Y, não tinha dinheiro, dormia pouco...

Mas o editor me pede um prólogo e não posso me negar, ainda que escrever não seja meu forte, ainda que falar de mim seja penoso.

Será um prólogo fragmentado e incompleto, mas não sei fazer melhor.

Creio que se algo têm em comum alguns cineastas com outros é o costume de ter um olho mirando para dentro e outro, para fora. Em certos momentos, as duas visões se aproximam e se sobrepõem como duas imagens combinadas no fogo. E este acordo entre olho e cérebro, entre olho e instinto, entre olho e consciência, é o que faz nascer o impulso de falar, de fazer ver.

Mas no que diz respeito a mim, na raiz está sempre um elemento externo, concreto. Não um conceito ou uma tese. E também há um pouco de confusão nessa raiz. Provavelmente o filme nasce, precisamente, dessa confusão. A dificuldade reside em colocar ordem. Estou convencido de que depende não somente de uma atitude, mas também de um hábito da fantasia.

Me lembro muito bem como me veio a idéia de "A Aventura". Estava em um iate com uns amigos. Costumava acordar antes deles e me sentar na proa, em completo abandono. Uma manhã, me pus a pensar em uma garota que havia desaparecido anos atrás e da qual nunca mais se teve notícia. Ela foi procurada por todas as partes, dia após dia, inutilmente. O iate rumava para Ponza, que se aproximava. Pensei: estará ali? Isso foi tudo.

Por mais fascinante que me possa parecer, não sou capaz de aceitar prontamente uma idéia. Deixo-a ali, não penso nela, espero. Passam-se meses, anos. Deve permanecer flutuando por si só no mar de coisas que a vida coloca, só então se torna uma boa idéia.

Um cineasta não faz outra coisa que procurar-se em seus filmes, que não são provas de um pensamento pronto, mas de um pensamento que se forma.

Londres, 1952. Um beco sem saída. Casas de ladrilhos enegrecidos. Um par de persianas pintadas de branco. Um poste. Uma calha pintada de um vermelho muito vibrante. Uma motocicleta coberta com plástico porque chove.
Quero ver quem passa por esta rua, que lembra Charlot. Me fixarei no primeiro transeunte. Quero um personagem inglês nesta rua inglesa.
Espero três horas e meia. A escuridão começa a desenhar o clássico cone de luz do poste quando vou embora sem ter visto ninguém.
Creio que essas pequenas lacunas, esse momentos vazios, esses abortos da observação são, em conjunto, frutíferos. Quando colocamos juntos um pouco de todos eles, não se sabe como, não se sabe porque, surge uma história. O argumento de "O Grito" me veio contemplando um muro.

Em Roma, o quarto dia de uma greve de varredores. Uma Roma inundada de sujeira, montes de lixo jogados nos cantos das ruas, uma orgia de imagens abstratas, uma violência figurativa nunca vista. E, em contraste, a reunião dos varredores entre as ruínas do Circo Máximo, milhares de homens vestidos com camisas azul escuro, mudos, ordenados, esperando não sei o que.

Uma história pode nascer também desta maneira: observando o ambiente que depois será o quadro. No cinema, frequentemente, é um método eficaz, porque permite conseguir mais facilmente uma coerência figurativa.

1962. Em Florença, para ver e filmar o eclipse do sol. De repente, estremeço. Um silêncio diferente de todos os outros silêncios. Luz térrea, diferente de todas as outras luzes. E depois, a escuridão. Imobilidade total. Tudo o que consigo pensar é que durante o eclipse, provavelmente, os sentimentos também se interrompam.

É uma idéia que guarda uma vaga relação com o filme que estou preparando, mais que uma idéia, uma sensação, mas que já define o filme, apesar de ainda estar muito longe de ser definido. Todo o trabalho realizado depois, nas tomadas, está sempre relacionado com aquela idéia, sensação ou pressentimento. Não consigo prescindir dela.

Eu deveria colocar nos letreiros de apresentação de "O Eclipse" estes dois versos de Dylan Thomas:

"... alguma certeza deve existir,
se não de amar, ao menos de não amar."

As boas idéias para os filmes podem também não ser as mesmas que servem para a vida. Se fosse assim, o modo de viver de um cineasta coincidiria com o seu modo de construir um filme, e suas experiências práticas, com as intelectuais. Pelo contrário , por mais autobiográfico que se possa ser, sempre há uma intervenção da nossa imaginação que traduz e altera a matéria.

E não digo nada novo.

Somos nossos personagens na medida em que cremos no filme que estamos fazendo. Mas entre nós e eles, está sempre o filme, está esse fato concreto, preciso, lúcido; esse ato de vontade e força que nos qualifica inequivocamente, que nos desvincula da abstração, para nos levar a colocar os pés fincados na terra. E dessa maneira, de proletários nos convertemos, por assim dizer, em burgueses; de pessimistas, em otimistas; de solitários e alienados, em pessoas que querem abrir um diálogo e comunicar-se.

Jamais pretendi definir filosoficamente o que faço no cinema. Não inventei a palavra "alienação"; ela é parte da bagagem crítica e filosófica européia, desde Marx até Adorno. Portanto, expressa um fenômeno real, um problema concreto da humanidade, que provavelmente se agravou nos últimos anos.

Porém, não rechaço esta temática: meus filmes estão aí e falam - no sentido literal do termo - por si. Talvez não tenha me dado conta imediatamente do caminho que sugeriam, mas uma coisa é certa: procurei logo não me lembrar, ou melhor, esquecê-lo. O que rechaço é a acusação de "alienado" aplicada ad personam.

Como se realizando um filme, vivendo este período de tempo a serviço de um argumento, eu não tivesse colocado em jogo todos meus problemas e não os resolvesse objetivando-os. Mas, realizando o filme, tenho consciência, me faço presente em meu ambiente, em minha história, e estou alienado na medida em que este fato me induz a sofrer alienação, a combatê-la e superá-la
realizando o filme.

O maior perigo para quem faz cinema é a extraordinária oportunidade que surge para a mentira.

Os livros formam parte da vida e o cinema nasce dela. Que um argumento venha de uma novela, de um jornal, de um episódio verdadeiro ou inventado, não muda as coisas. Uma leitura é um fato. Um fato, quando evocado, é uma leitura.

Ou autenticidade, ou invenção, ou mentira. A invenção que precede a crônica.

A crônica que provoca a invenção. Uma e outra combinadas em uma mesma autenticidade. A mentira como reflexo de uma autenticidade a ser descoberta.

No imediato pós-guerra, pedi aos mais importantes produtores italianos que me enviassem por uma volta ao mundo para rodar um documentário. Também tinha na cabeça a idéia de filmar uma revolução, uma dessas revoluções que de vez em quando estouram na América do Sul. O filme que mais lamentei não ter feito é "As Alegres Moças do 24", ambientado nos anos revolucionários do fascismo.

Propus também alguma novela. Mas, sobretudo, argumentos originais. Dezenas de propostas. (Longo e penoso o discurso do tempo perdido nas ante-salas, em contar histórias, em escrever páginas e páginas inúteis. A bem dizer, talvez a experiência tenha sido útil e que sempre é uma experiência que minha geração deve somar a outra, a da guerra: uma adição que dá medo).

Um dia inventei um filme ao observar o sol: a maldade do sol, a ironia do sol.

Há anos me rondam estes versos de MacNeice:

"Pensa um número, duplicado, triplicado,
elevado ao quadrado. E cancelado".

Estou seguro de que poderia converter-se em um núcleo ou, ao menos, em um símbolo de um curioso filme humorístico. Já indica um estilo.

Pensei também - em um momento de desespero - encenar os primeiros capítulos de "A Introdução à Filosofia Matemática" de Russel. Livro muito sério mas rico, a meu ver, em apontamentos cômicos. Por exemplo: "O número três não é identificado com o trio composto pelos senhores Brown, Jones e Robinson. O número três é algo que todos os trios têm em comum." Donde para o trio dos senhores Brown, Jones e Robinson está reservada uma parte já colorida de ridículo. Ou: "A relação mulher-marido diz-se inversa à de marido-mulher".
Já via estes pares inversos e amigos e as situações em que seriam colocados.

E ainda: "... o número dois é uma entidade metafísica de cuja existência não estaremos nunca realmente seguros nem se a tivermos individualizado". Afirmação alucinante desde o ponto de vista do número dois. De um número dois protagonista.

São jogos, naturalmente, divertissements, que indicam, no entanto, como as coisas mais singulares podem tornar-se um filme. Deformação profissional que, entretanto, é também uma necessidade instintiva e sincera de reduzir tudo à imagem.

Há algum tempo esteve em minha casa o escultor "pop" Oldemburg. Me impressionou uma observação sua: que na Europa se escreve mais que se exibe.

Ao contrário dos Estados Unidos. Devo dizer que a influência do cinema neste sentido foi benéfica. A guerra e o pós-guerra, por exemplo, encontraram no cinema ilustrações de uma força e de uma verdade às vezes desconcertantes.
Isso depende mesmo da própria natureza do meio, mas também do fato de que ninguém mais do que nós, homens de cinema, se viu obrigado a enxergar.

Aí está uma ocupação que nunca me cansa: enxergar. Gosto de quase todos os cenários que vejo: paisagens, personagens, situações. Por um lado é perigoso, mas por outro é uma vantagem, porque consiste em uma fusão completa entre a vida e o trabalho, entre a realidade (ou irrealidade) e o cinema.

Não se penetra nos fatos com a reportagem.

No pós-guerra havia uma grande necessidade de verdade e parecia possível fotografá-la a partir das esquinas das ruas. Hoje o neorrealismo está superado pois a tendência é cada vez mais se criar uma realidade própria. O critério se aplica inclusive aos longa-metragens de caráter documental e aos noticiários de atualidades, realizados em sua maioria segundo uma idéia
pré-estabelecida. Não um cinema a serviço da realidade, mas a realidade a serviço do cinema.

A mesma tendência existe nos filmes de argumento. Tenho a impressão que o essencial é dar ao filme um tom que beira a alegoria. Isto é, que cada personagem atue em uma direção ideal que se ajuste irracionalmente com as direções dos outros até formar um significado que contenha, também, a história contada, mas que a supere por intensidade e liberdade de soluções.

Submetendo a película de celulóide a um determinado processo, forçando uma sensibilização, consegue-se ressaltar elementos da imagem que o processo normal de revelação não mostra. Por exemplo, a esquina de uma rua iluminada pela débil luz de um poste resulta perfeitamente visível, também em seus detalhes, se a película sofreu a alteração de sua sensibilidade, mas de
outra maneira não.

Isto sempre me espantou. Significa - pensava - que sobre o celulóide se imprimem as coisas debilmente iluminadas. Isso se dá concretamente. E, prosseguindo com o raciocínio, podemos supor que a película de celulóide é mais sensível que a célula foto-elétrica, cuja agulha nem se move com aquela luz. Dando mais um passo (no plano teórico, por certo, pois no prático não
podemos omitir outras considerações): talvez a película registre toda e qualquer luz, inclusive a escuridão, como o olho dos gatos, como um aparato militar norte-americano recém inventado, e somente o nosso atraso técnico não nos permita revelar tudo que há em um fotograma.

Sabemos que sob a imagem revelada há outra mais fiel à realidade, e sob esta, mais outra, e de novo outra sob esta última. Até a verdadeira imagem daquela realidade absoluta, misteriosa, que ninguém jamais verá. Ou talvez até a decomposição de qualquer imagem, de qualquer realidade.

O cinema abstrato teria, portanto, sua razão de ser.

Logo ali vive uma garota... E ela nem ao menos é minha namorada.

Onde li esta frase? Poderia ser um símbolo da nossa - minha e de minha geração - juventude em Ferrara. Não tínhamos outras preocupações. O cheiro de cânhamo (hoje em dia na região de Ferrara o cânhamo cedeu seu posto a outros cultivos); o dos restos de beterrabas nos carros que iam e viam das refinarias de açúcar; o do rio, o cheiro da relva e da lama. Todos esses aromas que se misturavam ao da mulher no verão, ao dos perfumes decadentes nos bailes populares de inverno. As ruas amplas e largas, ruas de cidade plana, belas e quietas, como que convidando à elegância, aos ócios. As intermináveis conversas nas esquinas destas ruas, em altas horas da noite, com os amigos, que sempre versavam sobre o mesmo tema: a mulher. Algumas
noites íamos às tabernas beber vinho. Mas não gostava de me embriagar, de perder a consciência daquela ligeira depravação.

Outras noites ia, sozinho, a um bairro popular e passava toda a noite com uma garota. Não me arrependo de ter passado assim tantas horas da minha vida, e por isso posso falar. Nos colocávamos sob as escadas e permanecíamos ali, na escuridão. Via, à luz do luar, uma arcada estupenda, e atrás o pátio do século XV. Escutava passos, vozes na escuridão. Me lembro de um garoto sendo empurrado por uma porta desta maneira:

- Vai buscar a puta da sua irmã!
- E onde ela está?
- Encostada à parede. A primeira que encontrar com as pernas abertas
é ela.

A menina que estava comigo era doce e fiel. Não me deixava sair antes do amanhecer porque temia que os garotos do bairro me dessem uma surra. De madrugada, voltava para casa escutando o som das carretas sobre o calçamento. Nas carrocerias, os mendigos cantavam. Haviam dormido sobre dura cama, enfiado a cabeça em uma tigela de água e bebido grapa em um bar, e agora catavam uma melodia improvisada, sem alegria, que por pouco se tornariam blasfêmias. Algumas vezes também subia nas carretas e eles me levavam. Não me lembro bem do que falávamos mas, na época, aqueles diálogos me pareciam extraordinários.

Mas entrava também em outras casas, sólidas casas de azulejos coloridos e cornijas de terracota, espaçosas, seguras, onde viviam quase todas as moças "de bem" da cidade. E também aqui ocorriam as mesmas coisas que nos bairros populares, com mais circunspecção talvez, mas com uma despreocupação completa e antiga, totalmente dentro da tradição, também artística e histórica, da cidade.

Por que conto estas coisas e não outras, certamente mais interessantes?
Talvez porque são as que considero mais minhas. As restantes caem sobre mim como uma avalanche e só posso suportá-las. E, porque também, de certo modo, sinto que estão por trás de "Crônica de um Amor", "A Aventura", "O Deserto Vermelho".

Em outras palavras: descubro a moléstia dos sentimentos antes mesmo dos sentimentos.

Não sei porque comecei a interessar-me no cinema mais pelos sentimentos que por outros temas mais palpitantes como a guerra, o fascismo, os problemas sociais, nossa vida de então. Não que estes temas me deixaram indiferente, já que estava imerso neles e os vivia, se bem que, certamente, de uma maneira bastante solitária. Deve ter sido uma experiência sentimental minha, que acabou de maneira inexplicável. Neste ponto não devo perguntar o porque a ninguém mais que a mim mesmo. E este porque se unia a todos os outros, e juntos se converteram em um só e desmedido porque, um maciço espetáculo que tinha como protagonista o homem. O homem frente ao seu ambiente e o homem frente ao homem.

Esta é a minha única presunção: ter devorado sozinho o caminho do neorrealismo. Estávamos em 1943. Visconti rodava Obsessão, às margens do Po; e a poucos quilômetros de distância, eu rodava o meu primeiro documentário, sobre o Po.

O Po de Valano pertence à paisagem de minha infância. É o Po da minha juventude. Os homens que passavam pelos diques arrastando preguiçosamente os barcos, com passo lento, com cadência, e mais tarde os mesmos barcos arrastados em comboio por um rebocador, com as mulheres atarefadas na cozinha e os homens no timão, as galinhas, as mesmas roupas, verdadeiras casas ambulantes, comoventes. Eram imagens de um mundo do qual começava a
tomar consciência. Acontecia que aquela paisagem que até então havia sido uma paisagem de coisas, quieta e solitária - a água lamacenta e agitada, as fileiras de álamos que sumiam na neblina, a Ilha Branca, no meio do rio, em Pontelagoscuro, que dividia a corrente em duas - aquela paisagem se movia, se povoava de gente e ganhava vigor. As mesmas coisas reclamavam uma atenção distinta, uma sugestão diferente. Olhando-as de um novo modo, penetrava
nelas. Começando a compreender o mundo através da imagem, compreendia a imagem, sua força, seu mistério.

Enquanto me foi possível, voltei àqueles lugares com uma câmera. Assim nasceu Gente do Po. Tudo o que fiz depois, seja por bem ou por mal, nasce daí.

Filme terminado, a cópia matriz preparada. As dúvidas, os arrependimentos, as reprovações. Nada é tão acabado como um filme acabado.Talvez somente um edifício. Se encontra a céu aberto, exposto aos olhares e à ironia de todos, sem poder contar a ninguém a aventura pessoal, que não está registrada nem no filme e nem no roteiro: uma lembrança, mas uma lembrança curiosa, como de um pressentimento, do qual o filme não é mais que uma testemunha parcial, falha.

Terminado "O Deserto Vermelho", me lembro que disse a Monica Vitti: "talvez não tenha sido mau o suficiente". Queria dizer com isto: não pus o filme à prova antes de começá-lo, não tive o controle se estava mau o bastante. É uma prova que necessitaria sempre passar por ela: ocorreria por reciprocidade o que acontece a uma substância quando colocada em contato com
seu reagente, que se revela a si mesma, sua composição, sua verdade.

Quando um filme está terminado, deixa sempre uma violência que não se pode expressar, um resto de matéria e maldade que nos impulsiona e empreender novamente a peregrinação, de um lugar a outro, para ver, interrogar, fantasiar sobre as coisas, cada vez mais vagas, na visão do próximo filme.

Sob a rotunda do Grande Hotel em Rimini, rodeada pela cerca de espinho que a circunda durante o inverno, duas garotas por volta dos dezesseis anos estão brincando. Uma dá voltas montada em uma bicicleta. A outra extende seus braços com leveza e pousa-os na areia, coloca-se em posição vertical, as saias sobre o rosto, as pernas finas firmes no ar. Depois se deixa cair,
completando a volta, e começa de novo. São duas meninas, mas bem pobres. A que anda de bicicleta sob a rotunda cada vez que passa junto a sua amiga a chama: " Edna..., Edna...", e depois continua, cantarolando como uma ladainha: "Que amor..., que dor!"

Desaparece, reaparece. "Que amor..., que dor!"

São as primeiras horas da manhã e não há ninguém na praia, exceto as duas meninas e eu. Nenhum outro rumor, a não ser o do mar e essa voz sutil que canta amor e dor.
Durante todo o resto do dia, para mim, isto foi um filme.
O episódio, contado desta maneira, pode não trazer nenhuma sugestão e parecer incompreensível ter sugerido uma história. Para compreendê-lo, seria necessário escutar a entonação daquela voz. Era uma entonação particular, fresca e ansiosa ao mesmo tempo, que dava àquelas palavras uma dimensão certamente inconsciente mas profunda, todo o amor, toda a dor do mundo. As palavras eram absurdas na boca daqu ela personagem; a entonação não.

Eis aqui o limite dos roteiros cinematográficos: colocar palavras e acontecimentos que os invalidam.

Escrever um roteiro é um trabalho cansativo, precisamente porque se trata de descrever com palavras provisórias, que depois não mais servirão; imagens; e isto já não é natural. A descrição não pode ser mais que genérica ou francamente falsa, porque se refere a imagens carentes, frequentemente, de referências concretas.

Relendo estes roteiros, o que revivo com maior nitidez é a lembrança dos momentos que me levaram a escrevê-lo. Certos lugares, as conversas com as pessoas, o tempo passado nos ambientes onde a história depois ganharia vida, a descoberta gradual do filme em suas imagens fundamentais, em suas cores, em seu ritmo. Talvez seja este o momento mais importante. O roteiro é uma fase intermediária, necessária mas transitória. Para mim, enquanto estou
rodando, o filme deve reencontrar aqueles momentos para que a coisa vá bem;
preciso tornar a encontrar aquela carga, aquela convicção.

As discussões, na fase do roteiro, com os colaboradores; a busca, frequentemente fria e hábil, de uma construção, de uma solução sugerida pela experiência contribuem certamente para articular a história da melhor maneira. Mas corre-se o perigo de que o impulso inicial se esfrie. Aí está a
razão de haver um momento de crise durante a elaboração do roteiro onde se perde o sentido do que se está narrando. Então a solução é interromper o que se está fazendo e voltar a pensar no filme como foi imaginado nos lugares que o provocaram.

Experimentei outra sensação bem curiosa lendo estes roteiros: um misto de estupor e irritação. Porque na lembrança dos filmes já realizados há muitas coisas que não coincidem. E também as formas que coincidem estão expostas em uma forma pseudoliterária, que é exatamente o que irrita. Se engana quem sustenta que o roteiro tem um valor literário. Pode-se argumentar que estes não tem, mas que outros tem. Pode acontecer. Mas então serão já verdadeiras novelas, autônomas.

Um filme não impresso sobre celulóide não existe. Os roteiros pressupõem o filme, não têm autonomia, são páginas mortas.

Título Original: Sei Film (Giulio Einaudi Editore - s.p.a Torino)
Tradutor para o espanhol: José Manuel Alonso Ibarrola
Revisão: Carmen Martín Gaite (Alianza Editorial, S.A, Madri, 1967
Tradução do espanhol para o português: Isabel Lacerda